Fui de trem para o evento na Faculdade de Direito da USP neste 11 de agosto de 2022.
A publicação da Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito! e a velocidade como que ela ganhava mais e mais assinaturas me fez querer ver e sentir, ao vivo, o momento histórico.
No trem, um dia comum na vida de tantos que usam o transporte para ir ao trabalho. Celulares e seus fones. Algumas conversas. Poucos livros. Da Estação da Luz subi a Florêncio de Abreu até o Largo São Bento. Passei pelo Parque do Colégio, Praça da Sé e rumei para o Largo São Francisco. Cedo ainda. Friozinho.
O cotidiano da Capital ali presente. Entregadores e suas motos barulhentas, as obras na calçada, as muitas lojas da Florêncio e sua diversidade. Sotaques, olhares. O cheio de café, as conversas da manhã em mais um dia na mais cosmopolita das cidades brasileiras.
Nos arredores do Largo São Francisco polícia. Muita polícia. Em frente à Faculdade de Direito centenas de pessoas e a distribuição simbólica de pães. Bandeiras de umas tantas correntes partidárias, movimentos sociais e outras. Cartazes, faixas e (muitos) celulares e câmeras e filmadoras.
Entrevistados e entrevistadores. Links diretos de TVs (para transmissão ao vivo), vídeo-repórteres e jornalistas.
Dentro da Faculdade o Salão Nobre já estava cheio. Foi ali que se desenvolveu a primeira parte do ato, com diferentes atores de diferentes segmentos da sociedade. A defesa do Estado Democrático de Direito como o fio condutor. A leitura da Carta da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) encerrou essa primeira parte.
Nos corredores e escadas da Faculdade de Direito, encontros e reencontros. Velhos companheiros de luta, amigos de longa data, políticos, artistas e um tanto de outros integrantes da midiosfera nacional.
Enquanto o Pátio das Arcadas esperava o momento da leitura da Carta, do lado de fora, mais e mais gente chegava enquanto diversos oradores se revezavam, falando da sacada da Faculdade. Bandeiras e mais bandeiras, palavras de ordem.
A leitura da Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito! ecoou Brasil afora. Ao final do dia, bateu um milhão de assinaturas.
Histórico.
Em uma conversa com o diretor da Faculdade de Direito, Celso Fernandes Campilongo, logo após o encerramento do ato de leitura da Carta, ele reafirmou aquilo que já havia dito anteriormente: nem por sonho ele imaginaria que aquela Carta, idealizada como uma homenagem ao ato de 77 pudesse ter se ampliado a ponto de se tornar um movimento nacional.
Abraços, sorrisos. Entrevistas, conversas. Clima de festa.
Do lado de fora o ato continuou por mais um tempo, mas a chuva chegou mais forte e resolvi pegar meu caminho de volta.
Nas ruas, a mesma vida cotidiana do Centro de São Paulo. Peguei a XV de Novembro. Passei novamente pelo Largo São Bento, entrei na Igreja de São Bento para ouvir a benção do padre no final da missa, e desci a Florêncio de Abreu numa chuvinha fina. Parei pra almoçar um PF e dar um tempo pras pernas. Segui de volta pra Luz e trem novamente.
Vida que segue.
No meu pensamento, ainda no trem, a pergunta: o quanto esse movimento tem o poder de alterar os rumos da vida do País? E outra: Quantas pessoas realmente sabem o que significa Estado Democrático de Direito e o que isso importa?
Tenho dúvidas.
O que vejo, por enquanto, é que a Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito! está sendo capaz de mobilizar uma pequena, mas significativa parte da sociedade.
Sua principal força é que nasceu como um movimento orgânico. Criou corpo e ampliou (e amplia) sua base por unir um sentimento de muitos. O ato deste 11 de agosto e sua visibilidade — o Jornal Nacional, por exemplo, dedicou um espaço enorme à cobertura do evento — farão o tema ganhar ainda mais abrangência.
Mas tem um mas.
Mesmo que a grande mídia amplifique a mensagem, mesmo que os múltiplos canais de comunicação segmentados falem do assunto, há uma imensa maioria de pessoas — muitos eleitores — aprisionadas numa bolha de desinformação desvinculada da realidade dos fatos, vivendo uma narrativa (pra usar esse já desgastado termo) paralela.
E existe também uma máquina muito bem estruturada, encarregada de disseminar essa versão (ou essas) alternativa dos fatos. A repórter Laura Scofiel, da Agência Pública, mostra como Robôs ajudaram a bombar “manifesto alternativo” à Carta pela Democracia. É um bem explicado exemplo de como funciona essa máquina de desinformação. Mas há muitos outros.
Em um país onde a principal ferramenta utilizada para a propagação de desinformação é o Whatsapp, instalado em 99% dos celulares, dá pra imaginar o poder dessa narrativa paralela — assunto do livro Fake News e Inteligência Artificial. O poder dos algoritmos na guerra da desinformação, de Magaly Prado.
Pois então, se estamos falando da defesa do Estado Democrático de Direito, de garantir que todo o poder seja exercido, de fato, pelo povo, é preciso olhar além do que a vista alcança.
