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Para o ciberguru Howard Rheingold nós estamos na fronteira da maior mudança em nosso cenário mental dos últimos 200 anos.
Em seu novo livro Net Smart publicado em abril pelo MIT Press ele afirma que as redes sociais estão mudando a forma como pensamos.
“Se a cultura impressa deu forma ao ambiente no qual o Renascimento floresceu e preparou o terreno para a Revolução Industrial, a mídia participativa pode similarmente forjar o ambiente cognitivo e social no qual a vida do Século 21 terá lugar”.
Para citar apenas de alguns dos muitos pontos importantes da carreira de Rheingold como jornalista, professor, antropólogo cultural, empresário e ciberguru, em 1993, ele inventou o termo comunidade virtual (virtual community) para descrever o que ele exergava como a coisa mais importante naquele início da Internet.
Entrevistado por Steve Cherry, do podcast “Techwise Conversations” do IEEE, Howard Rheingold coloca a revolução da Internet em um contexto de 250 anos de civilização.
Acompanhe aqui os principais trechos da entrevista.
No início da entrevista Steven Cherry lembra que muita gente já falou da mudança de um mundo dominado pela cultura broadcast de jornais, rádio e televisão a mídia de participação como blogs e redes sociais, e observa que Howard Rheingold, no entanto, foi o primeiro a colocar essa transformação em um contexto de 250 anos de Civilização Ocidental — o que Rheingold chama da versão participativa do Renascimento.
Steven Cherry: “O que é essa versão participativa do Renascimento?”
Howard Rheingold: Eu venho pesquisando há muito tempo não apenas a tecnologia, mas o aprendizado que emerge da tecnologia. Não é toda a tecnologia que dá origem a um aprendizado, mas quando você pega alfabetos, impressoras e Internet, você tem um corpo de conhecimento que se espalha pela população, e essas pessoas se tornam capazes de fazer coisas que não eram capazes de fazer anteriormente.
Então, certamente com as impressoras vieram democracias, vieram a ciência como um sistemático e coletivo empreendimento e a Reforma Protestante. Esses acontecimentos não foram causados pela tecnologia, mas a tecnologia permitiu a mais e mais pessoas desenvolverem capacidades mentais que elas não tinham antes. Quando você aprende a ler, você muda seu cérebro, e pessoas com cérebro alfabetizado são capazes de organizar o que os sociólogos chamam de “ação coletiva” mais efetivamente.
E, é claro, mais recentemente nós vimos o que eu escrevi em Smart Mobs há 10 anos. Eu disse que essa combinação de telefones celulares, que quase todo mundo no planeta vai carregar, e os computadores pessoais e Internet está diminuindo a barreira para a ação coletiva. Nós estamos vendo isso agora, do Oriente Médio e Norte da África até o Occupy Movementque as pessoas são capazes de se organizar politicamente – e no meu livro eu falo também culturalmente e economicamente – em formas que elas não conseguiram antes. O esforço por conectar o mundo e a lei de Moore — que coloca computadores realmente poderosos e a mídia nas mãos de todo mundo – são a parte física desse movimento.
O software, os negócios, todos eles nos deram uma situação na qual as pessoas – potencialmente bilhões de pessoas – têm enorme poder. E um enorme poder para mudar a maneira como pensam e se comunicam – mas como eles aprendem como fazer isso? Aconteceu tudo muito rápido. E não aconteceu nas escolas. Então, afim de resolver essa incerteza crítica eu escrevi esse livro sobre quais são os aprendizados básicos que poderiam permitir a nós pensar melhor, comunicar melhor, organizar melhor, e não cair nas armadilhas e os custos ocultos da mídia social
Steven Cherry lembra que o grande poder traz com ele grande responsabilidade, e o livro Howard Rheingold é uma espécie de manual de como fazer para se viver nessa nova era. O primeiro ponto abordado por ele é a atenção.
Steven Cherry: Qual é o problema da atenção e por que você começou seu livro com ele?
Howard Rheingold: Você sabe, eu aposto com você que pelo menos um de seus ouvintes assistiram ao vídeo que se tornou viral e veio de um câmera de segurança de um shopping onde uma jovem caiu em uma fonte porque ela estava olhando para seu smartphone. E uma pesquisa da Pew Internet and American Life revelou que um em seis americanos admitiram que esbarraram em alguém ou alguma coisa enquanto caminhavam pelas ruas olhando para seus telefones.
E por certo todos nós já tivemos a terrível experiência de olhar para o carro ao lado na estrada e perceber que o motorista está teclando. Então claramente existem algumas questões a respeito de nossa atenção e smartphones. Mas como um professor, qualquer professor ou qualquer estudante pode contar a você nas salas de aula hoje, o professor enfrenta estudantes que não estão olhando para ele mas para seus laptops. E muitos estudantes estão checando para saber se o professor sabe do que ele está falando, fazendo perguntas uns aos outros e, muitos deles, estão no Facebook ou participando de um jogo em World of Warcraft.
E há vários livros sobre distração e a forma pela qual nossa atenção vem sendo atenuada por esses aparelhos, e eu acredito que a questão não é que a mídia inteligente, smartphones e mídia social estão levando à distração, mas eles oferecem a distração. A chave é que nós não temos que ser distraídos, nós temos que aprender a gerenciar nossa atenção. Então eu penso que atenção é um tipo de bloco básico de todos os outros aprendizados. Se você consegue gerenciar a maneira pela qual você usa sua atenção, seja no seu desktop ou com o smartphone em seu bolso, então você está na rota para o conhecimento de novos aprendizados.
Steven Cherry explica que Rheingold dedicou um capítulo inteiro de seu livro a atenção. E pergunta se existe uma chave que ele gostaria que os ouvintes guardassem a respeito disso.
Howard Rheingold: Sim, prestando atenção em suas intenções – o que é que você está intencionando fazer antes que aquele vídeo do gatinho bonito se tornar disponível ou seu telefone tocar? – pode ajudar a mudar o seu cérebro. A evidência da moderna neurociência e das antigas tradições contemplativas é de que quando você começa a prestar atenção ao que você está prestando atenção você começa a alterar a habilidade do seu cérebro focar. Então eu penso que a boa notícia é que apenas começar a ficar ligado ao que você está prestando atenção e o que você faria antes de ser distraído é o começo de ser capaz de gerenciar isso. Por certo, há muito mais detalhes, mas isso, eu penso, é um ponto a guardar.
Steven Cherry pondera que uma vez que nós temos esses novos poderes da visão binocular online, a próxima etapa é acessar o que nós estamos focando.
Steven Cherry: Eu acho que você está falando basicamente de nossa habilidade de pensar criticamente.
Howard Rheingold: Sim, você sabe, a habilidade de pensar criticamente é uma velha estória, não é algo que está sendo ensinado muito nas escolas hoje em dia. Mas nós temos uma grande necessidade disso, porque nós costumávamos ser capazes de pegar um livro na biblioteca e poderia confiar que mesmo que você discordasse daquele livro alguém teria checado os fatos. Por outro lado, você colocar uma palavra num mecanismo de busca agora, e poder receber a resposta de qualquer coisa, é realmente mágico.
Você coloca a combinação certa de palavras num mecanismo de busca e pode obter a resposta de qualquer pergunta, em qualquer lugar que você esteja. Mas agora fica por conta do consumidor se assegurar se a informação é verdadeira ou não. E a pesquisa que eu fiz enquanto estava escrevendo o livro indica que grande parte das pessoas simplesmente não sabe como avaliar a veracidade da informação que encontrou online ou que outros a enviaram online.
Steven Cherry: Esse dois aspectos são apenas uma espécie de ponto de partida para você. No livro você fala do “aprendizado da participação”. E eu acredito que isso consiste nas normas sociais da mídia social. O que são elas e por que elas são tão importantes?
Howard Rheingold: Bem, nós não poderíamos estar tendo essa conversa, nós não poderíamos ter a Web, se não fosse pela participação. Esses são meios radicalmente diferentes da mídia de broadcast na idade da mídia impressa ou da televisão, onde um relativamente pequeno número de pessoas criava a cultura que era consumida passivamente pela vasta maioria da população.
Agora, certamente, todo mundo é um potencial criador. Isso não significa que todo mundo é bom ao fazer isso, mas você sabe que nós não teríamos a Web se o governo dos Estados Unidos ou uma grande companhia de computadores tivesse decidido: “Nós vamos criar a Web”. Ela não teria acontecido. Mas deixando qualquer um colocar um website no ar e colocar alguns links nele nos deu esta vasta cornucópia de informações.
Eu penso que ninguém poderia discordar que existe um horrível monte de lixo na rede. Há informação medíocre, há má informação, há informação não saudável online. Você precisa pensar agora como um detetive, e eu penso que nós todos temos que fazer isso agora. Como forma de participar – existem muitas maneiras diferentes de participar.
Você pode apenas ler ou comentar ou classificar ou dar um like ou + em alguma coisa, todo o caminho até criar uma comunidade virtual ou uma mobilização inteligente (smart mob) ou organizando a inteligência coletiva. Um enorme poder está disponível . Eu citei apenas alguns poucos exemplos no começo de cada capítulo.
Steven Cherry: A pedra angular do Renascimento eu acho foi a Encyclopedia Diderot Diderot’s Encyclopedia, e ela deve ter sido tão milagrosa em 1775 quando o Google é hoje. A versão participativa é obviamente a Wikipedia. Como você pensa nas duas comparativamente?
Howard Rheingold: A Wikipedia e Enciclopédia Britannica foram submetidas a um teste, creio eu, pela revista Nature, há alguns anos em que aleatoriamente foram coletadas amostras e os pesquisadores descobriram que eram aproximadamente igualmente imprecisas, que o número de imprecisões na Britannica e Wikipedia era praticamente o mesmo. Acho que há enormes vantagens para a Wikipedia em que você simplesmente não pode publicar uma versão em papel com tantas entradas como aquelas.
Mas há uma grande fraqueza na Wikipedia. Eu ensino aos meus alunos para não usá-la, para não citá-la como fonte, porque ela pode mudar de minuto a minuto. As pessoas podem vandalizar os artigos e colocar informações falsas neles. O tempo médio para um vandalismo ou desinformação na Wikipedia ser corrigido é, na verdade, de poucos minutos, mas isto a torna uma fonte não confiável.
Eu também digo aos meus alunos que é um lugar de partida excelente: vá para a Wikipedia quando você está começando uma investigação. Então eu acho que é um grande trunfo. Precisamos usá-lo corretamente, precisamos perceber que não é em última instância de autoridade. Mas você pode imaginar alguns anos atrás a ideia de que voluntários de todo o mundo fariam um trabalho como esse? — Alguns milhares deles em todo o mundo que realmente não se conhecem uns aos outros, criariam a enciclopédia livre — Eu acho que são mais de 200 línguas agora. Então eu acho que a Wikipedia é apenas um exemplo do tipo de inteligência coletiva que as pessoas que entendem como participar são capazes de colocar juntos.
E você sabe, parte disso tem a ver com o que Tim O’Reilly chama de “arquitetura de participação”, — que não é puramente sobre o altruísmo mas a forma pela qual a Internet e a Web permitem que as pessoas ajam em seu interesse próprio e ao mesmo tempo contribuam para o bem de todos. Então, as pessoas colocam links em seus blogs, e os juízos que fazem são agregados pela fórmula secreta do Google, o que nos dá um motor de busca muito poderoso.
Outro exemplo é o Napster. Quando as pessoas estavam baixando música, a maior parte deles, na verdade estava roubando música. Eles não baixavam música a partir de um servidor, mas de outros usuários do Napster que estavam baixando músicas ao mesmo tempo. A arquitetura de participação que havia no Napster foi projetada para que a pasta no desktop do computador em que você estava baixando música fosse por default aberta para outros usuários do Napster. Portanto, há uma maneira de organizar a arquitetura técnica dos meios de comunicação online para permitir às pessoas fazerem pequenas ações em seu próprio nome que acrescentam um grande valor a um grande público.
Steven Cherry: A participação não é o mesmo que a colaboração, e você dedica um capítulo inteiro para a colaboração. Como são diferentes?
Howard Rheingold: Absolutamente. Bem, um indivíduo pode participar, e sua participação pode somar, mas não necessariamente tem que fazer isso em comunicação com outras pessoas. Como você notou, eu escrevi em 1980 sobre comunidades virtuais, e houve polêmica durante anos sobre se isso é realmente uma degradação da palavra comunidade.
Mas acho que agora, se uma pessoa é um paciente com câncer ou o cuidador de alguém com Alzheimer, você tem certeza de que você pode se conectar com as pessoas que podem lhe oferecer muitas das coisas que as ofertas físicas da comunidade usualmente oferecem: o apoio mental e emocional e até financeiro, um sentimento de pertencimento, a informação, quando você precisar dela. Mas isso foi além de comunidades virtuais.
Quero dizer, você tem pacientes com câncer, você tem os jogadores, temos pessoas que estão ajudando a resolver problemas bioquímicos em todo o dobramento de moléculas de proteína através de um jogo, temos a Wikipedia como uma inteligência coletiva, nós tenho crowdsourcing, que é largamente utilizado pelas empresas para levar as pessoas a fazer o seu trabalho para eles.
Mas houve também um famoso caso de um cientista da computação cujo barco desapareceu, e seus amigos pegaram as últimas fotografias da área do mar onde ele desapareceu, fizeram um corte de 6500 milhas quilômetros quadrados de fotografias em meio milhão de imagens, colocaram tudo no Amazon’s Mechanical Turk e conseguiram voluntários para procurá-lo, tudo dentro de uma questão de horas.
Assim, o poder da colaboração, — se você está fazendo isso com uma pequena equipe de pessoas espalhadas ao redor do mundo usando um wiki, se você estiver participando de algo grande como a produção de open-source ou Wikipedia ou a qualquer tipo de empresas de inteligência coletiva vai hoje,– permite que você multiplique sua inteligência através da colaboração com os outros.
Steven Cherry: Howard, uma grande vantagem para a cultura de mídia de radiodifusão que parece estar saindo de cena é que os nossos debates políticos e sociais e culturais eram enquadrados dentro de um acordado conjunto de fatos e, no mundo de hoje, parece que todo mundo tem seu próprio conjunto de fatos em que pode operar. Não há qualquer quadro a partir do qual podemos debater o aquecimento global ou os cuidados com o orçamento ou de saúde ou a guerra no Oriente Médio.
Howard Rheingold: Bem, você sabe, é isso, a separação de notícias é uma das rupturas que a mídia causou. Em muitos aspectos, tem efeitos negativos. O livro Comunidades Imaginadas Imagined Communities lançado há alguns anos afirmava que os Estados Unidos eram uma comunidade imaginada.
As pessoas levantavam de manhã, liam o jornal, captavam praticamente as mesmas manchetes, assistiam à televisão, ouviam rádio. Eles estavam imersos em um mesmo ambiente, em que os fatos eram uma espécie controlada por eles. Poderia haver preconceito ou algum viés, mas as pessoas navegavam na mesma página, mesmo sem que concordassem uns com os outros .
Agora, é claro, as pessoas têm todos os tipos de fontes de informação, muitas das quais são imprecisos, muitos são deliberadamente imprecisas ou manipulados por diferentes partidos que querem fazer as pessoas acreditarem em coisas diferentes. Então, essa é uma das razões porque escrevi este livro. Acho que a única maneira que podemos lidar com isso é através do aumento do nível de compreensão, de dar às pessoas algumas ferramentas para tentar questionar suposições, para tentar questionar informações.
E uma das mais importantes atitudes nesse mundo de informações compartimentalizadas é ser capaz de regularmente ouvir as pessoas cuja inteligência você pode respeitar, mas de quem você discorda. E isso é muito difícil nos dias de hoje, em uma atmosfera altamente polarizada onde em geral as pessoas só prestam atenção às fontes com as quais elas concordam. Eu acho que é importante para os indivíduos a criação de redes pessoais que incluam pessoas que regularmente não concordar com eles.