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Conheci o Amancio Chiodi no início dos anos 90 quando trabalhávamos na Agência Estado. Amancio era (e é) um desses repórteres fotográficos inquietos. Ligado. Depois disso, ficamos um bom tempo sem nos encontrar pessoalmente até que nos reaproximamos via Facebook, onde Amancio costuma compartilhar sua arte.
Amancio usa recursos digitais para interferir nas fotos criando um mundo surreal de imagens e cores. Um mundo viva e colorido que, pra mim remete à estética de Yellow Submarine, o clássico desenho dos Beatles, e também Andy Warhol. De alguma forma me lembra igualmente de um não tão famoso, mas surpreendente filme Wonderwall (inspiração para a música do Oasis).
Fui perguntar ao Amancio de onde veio a semente do seu trabalho. Qual a fonte? A força por trás das imagens. Desfrute da galeria de imagens e leia, abaixo, o texto de Chiodi onde ele explica a origem de sua inspiração.
[nggallery id=8]Amancio Chiodi por Amancio Chiodi
Recentemente, uma amiga viu o trabalho que venho fazendo com as minhas fotos e o chamou de foto-colorização metaformática e feliz. Adotei o nome para batizar esse tipo de interferência que tenho realizado nas imagens. Na verdade, é um desenvolvimento de outros métodos que comecei a usar na década de 80 atravessando, de lá para cá, diversas transformações. E assim continuará. Acho que todo esse processo não tem fim, somente evolução.
Sempre gostei de observar o cotidiano. Capturar momentos quase imperceptíveis no meio do trânsito, entre os passos das pessoas, detalhes de ruas, cartazes, placas, rostos, corpos, animais, árvores, folhas. Desenvolvo essa prática desde que comecei a ser fotojornalista, há mais de 40 anos. O que antes ficava na fotografia em P&B, e ia paras as páginas dos jornais, lá pela década de 80 começou a receber cores. Naquele tempo surgiram ferramentas que me permitiam interferir na imagem capturada. Comecei pintando a foto no papel usando de guache e nanquim a tinta acrílica.
Nos últimos 10 anos venho estudando desenho, pintura, escultura, gravura. Tenho aprendido com mestres como Rubens Matuck e Evandro Carlos Jardim que abrem outras perspectivas não só na forma como também no pensamento filosófico, social, histórico. Esses elementos associados ao processo de desenhar, esculpir e etc., ampliam o meu leque de opções artísticas, que acabam se intercalando e interagindo umas com as outras e com o olhar que fui apurando por trás da câmera fotográfica.
Com essa vivência, procuro usar todos os meios que me permitem criar outras interpretações sobre as minhas próprias fotos. Atualmente, os recursos que o computador oferece me ajudam muito nessa tarefa. Estou descobrindo, cada vez mais e mais, modos de modificar, reinterpretar e fazer releituras sobre o que capturei em outro momento nas ruas. Busco, a cada leva de imagens que trago de fora ou encontro nos meus arquivos, achar novas formas de cor, ou a ausência dela, e, assim, evidenciar o que pretendo que repassem para o observador.
Fiz a foto Noite na rua, por exemplo, na década de 70. Uma mulher sem-teto dormindo na calçada, me chamou a atenção. Fiz a foto crua, cheguei a inclui-la em alguma exposição que realizei na época. Por esses dias, fazendo uma pesquisa, achei essa imagem e resolvi executar novas experiências sobre ela. Quando a registrei no passado, era Carnaval, fazia calor. A mulher estava entregue a si mesma, abandonada e ignorada por aqueles que só pensavam na folia. Adormecida e desamparada, naquele momento ela nem podia imaginar como seria o seu dia seguinte.
Agora, depois das interferências que fiz, ela parece estar em um contexto completamente diferente e altamente comovedor. Realça a textura da rua e, assim, o sentido de quem dorme sobre o passeio. Transparece solidão, mas também sonhos. Parece que a mulher tenta se sentir aquecida no frio gelado a que, hoje, os sem casa, que se multiplicam pelas cidades cosmopolitas acabam sucumbindo. O retrato de ontem, retrata hoje.
Foto de abertura: Amancius Sobrinho.