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O Brasil é bastante vulnerável à prática de cópias ilegais de desenhos industriais. Além de as empresas nacionais não terem o hábito de registrar os designs criados, a imitação ilegal é tolerada no mercado interno, não há fiscalização efetiva das fraudes, a Justiça não tem estrutura para apurar processos, há muita burocracia nos registros e a lei é branda com quem a infringe, conforme análise de designers, técnicos em propriedade industrial, advogados e juíza federal ouvidos pela Agência Brasil.
“Há uma falha na abordagem desses assuntos, para que a sociedade como um todo compreenda todo o complexo de situações que está por trás de um caso de pirataria industrial e como isso pode afetar o nosso dia a dia”, avalia Liliane Roriz de Almeida, desembargadora da 21ª Vara da Justiça Federal.
Liliane de Almeida dirige a única vara federal especializada em litígios de propriedade industrial. Além de juízes, faltam peritos judiciais. “São raríssimos. Há menos de uma dezena em todo o país”, disse Susana Serrão, coordenadora geral de Indicações Geográficas e Registros do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).
A situação do Judiciário não é melhor que a das delegacias. Conforme o Ministério da Justiça, em todo o país há apenas três delegacias especializadas em crimes contra a propriedade imaterial (Rio de Janeiro, Recife e Brasília). Existem também quatro divisões que tratam de propriedade intelectual em São Paulo, no Rio Grande do Sul, no Espírito Santo e na Bahia. O Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP), ligado ao ministério, estuda a criação de novas delegacias.
Além da falta de estrutura judicial e de fiscalização, os especialistas se queixam da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), que tem 27 artigos sobre desenho industrial. “No aspecto das penas, a lei atual é muito branda, variando de três meses a um ano as penas mínima e máxima a serem aplicadas. Isso não é suficiente para inibir ou punir a prática de um delito”, avalia a desembargadora Liliane de Almeida.
O advogado Fabiano de Bem da Rocha, presidente da Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial (Abapi), discorda da juíza. Para ele, a lei “está entre as mais avançadas no mundo. O problema está na morosidade do Judiciário em compelir e punir os contrafatores [falsificadores] de forma mais efetiva, como também no pequeno valor de indenização, que é usualmente fixado nos tribunais e acaba servindo de estímulo à contrafação”.
Apesar da Lei de Propriedade Industrial, há outras regras que deveriam ser unificadas em um código próprio, opinam os especialistas. “Parece uma colcha de retalhos. Não existe ainda um código de propriedade intelectual que condense toda a legislação relativa a direito autoral, patente, marca e desenho industrial”, explica o advogado José Henrique Werner.
“Há uma lei de direitos autorais, outra de softwares e a de propriedade industrial [que engloba marca, patente, desenho industrial, concorrência desleal, franquia, transferência de tecnologia], mas não há um código de propriedade intelectual que condense tudo isso e ainda inclua a parte criminal”, acrescenta Werner.
A burocracia do registro dos desenhos industriais também é criticada. “Produz-se muito, mas registra-se pouco. Primeiro por uma questão burocrática. O celular que temos no bolso provavelmente daqui a um ano não existirá mais. Se fosse inventado por um brasileiro, não existiria ainda”, critica o designer Freddy Van Camp, professor da Escola de Desenho Industrial da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
“Tenho relatos de pessoas que procuraram as instâncias de registro, mas não conseguiram proteger o direito porque os caras não acreditam que aquilo seja feito no Brasil ou seja inédito e até colocam obstáculos ao registro, quando deveria ser o contrário”, disse Van Camp. Para ele, “nossas instâncias de registro são mal aparelhadas, não têm pessoal; têm centralização extrema. Os métodos de proteção intelectual são praticamente desconhecidos das pessoas”.
Susana Serrão concorda que “por falta de informação” ainda é baixo o número de pedidos de registros de desenhos industriais – 7.012 em 2011 e 6.127 em 2010. “Não temos ainda cultura de design” reclama.
A má cultura empresarial
A falta de informação, o baixo registro de desenhos industriais e a cópia não licenciada são fenômenos de má cultura empresarial, que não relaciona os processos de criação exclusiva e o registro à possibilidade de ganho e à segurança para as empresas, avalia Susana Serrão, coordenadora geral de Indicações Geográficas e Registros do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).
“O prejuízo da cópia é a falta de inovação, o desemprego de designer, a competição desnecessária, a concorrência desleal e o comprometimento da imagem do país. A marca Brasil é espelho no nosso portfólio, que deve ser de criação e não de cópia e pirataria”, explica a coordenadora.
Para o advogado Fabiano de Bem da Rocha, presidente da Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial (Abapi), a imitação atinge a capacidade de venda. “A convivência de produtos iguais no mesmo mercado desvia a clientela e gera associação indevida aos consumidores.”
O designer Freddy Van Camp, professor da Escola de Desenho Industrial da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), disse que o problema é histórico e cultural. “É coisa de país colonizado, onde a gente acha que o futuro é feito lá fora; a gente adora uma coisa importada.”
Segundo ele, apesar de ter “uma sociedade extremamente produtiva e criativa, o Brasil não se deu conta dos valores que tem. A gente adora dar tiro no pé. Esses problemas do direito e da propriedade intelectual, da propriedade industrial, do direito autoral são tratados no Brasil com muita leniência”, reclama.
Van Camp disse que, em geral, os brasileiros acham que só devem proteger alguma coisa quando vai dar certo. “Tem que proteger quando ela nasce. Se vai dar certo, ou não, isso depois é que a gente vai ver. Quando dá certo e aí vamos registrar, às vezes a ideia já virou domínio público ou outras pessoas já registraram.”
A falta da cultura de registro soma-se à falta de investimento em inovação, relaciona Liliane de Almeida, desembargadora da 21ª Vara da Justiça Federal. “O Brasil não tem tradicionalmente investido em inovação. Parece que somente agora empresas e governo acordaram para a importância que é para o país investir em pesquisa e desenvolvimento. A riqueza pública e privada de um país passa hoje, necessariamente, pelo conhecimento.”
Para mudar a visão empresarial e de operadores de direito sobre o design e a propriedade industrial, o Inpi promoverá nos dias 5 e 6 de novembro, no Rio de Janeiro, o primeiro encontro de criadores, pesquisadores universitários, empresários, advogados e engenheiros.
A Escola de Magistratura da 2ª Região, também no Rio, promove cursos e seminários na área. Alguns eventos são abertos ao público. Para a qualificação dos empresários, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) mantém o Programa Propriedade Intelectual para Inovação da Indústria.
Na foto, o cabide Click premiado pelo IF Award em 2011.
O Programa Design Excellence Brazil (DEBrazil) promove o reconhecimento internacional do design brasileiro e difunde no País a cultura de exportação de produtos. Esse trabalho de promoção é feito por meio da inscrição de produtos brasileiros em prêmios internacionais.