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Paulo Nogueira
O Kindle, da Amazon, foi o marco zero na fulminante ascensão dos livros digitais.
Passo parte da tarde lendo um ensaio de um jornalista americano chamado William Powers. O título é “O Blackberry de Hamlet: Por Que o Papel é Eterno”.
O texto teve tanta repercussão quando foi lançado, em 2006, que Powers acabou transformando-o num livro. (No qual, é verdade, o foco foi deslocado para como conseguir ter uma vida boa na era digital, em que estamos obsessivamente conectados.)
No ensaio, Powers mostra, involuntariamente, como as coisas se transformam rapidamente sob a égide ubíqua da internet.
Ao mesmo tempo em que decreta com uma série de números e argumentos o fim dos jornais (e da mídia impressa), Powers diz que os livros eletrônicos ficaram no campo melancólico das eternas promessas.
Os leitores, neste caso, tenderiam a ficar eternamente abraçados aos livros de papel. Powers conta que visitou uma grande editora de livros eletrônicos, e ouviu em voz baixa de um funcionário que as pessoas queriam mesmo eram livros de papel.
Vistas as coisas em retrospectiva, Powers cometeu um erro de avaliação espetacular. Se a Amazon o tivesse ouvido, não teria lançado, em 2007, o Kindle.
A partir daí, e com a chegada depois do iPad, os livros eletrônicos se multiplicaram — e acabariam conquistando fanáticos do papel como eu. Faltava a eles, para que deslanchassem, apenas um meio que facilitasse sua compra e leitura.
Em 2012, pela primeira vez, a Amazon vai vender mais ebooks que livros de papel. O maior fenômeno literário do ano, 50 Tons de Cinza, nasceu na internet.
Como escrevi outro dia, gosto de minha biblioteca digital não menos do que de minha biblioteca de papel. Suas vantagens são enormes. Ela não ocupa espaço. Posso comprar títulos com um simples clique, e muitos deles são gratuitos.
Assinalar os trechos que me chamam particularmente a atenção é simples: não tenho que estar sempre com uma caneta ao lado para isso. E a mera pressão de um dedo traz o significado das palavras que não conheço, ou em inglês ou em português.
O resto é nostalgia.
São 2.000 anos de papel, uma das maiores e mais duráveis inovações da humanidade, obra de Cai Lun, um eunuco chinês que mudou o mundo sem se dar conta. (Até ali, os chineses escreviam ou em bambus, muito pesados, ou em seda, muito cara.)
Caminhamos rapidamente para uma sociedade sem papel – e não vai ser nos livros que a extraordinária invenção de Cai Lun haverá de sobreviver.
Paulo Nogueira é jornalista e está vivendo em Londres, de onde edita o blog Diário do Centro do Mundo. Foi editor assistente da Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação da Exame, diretor superintendente de uma unidade de negócios da Editora Abril e diretor editorial da Editora Globo. Publicação no Oa autorizada pelo autor.