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Wangũi Kamonji
Eu me lembro de aprender sobre permuta na aula de história no Quênia. O que ainda é particularmente claro em minha mente tantos anos depois são os aspectos negativos que listávamos.
“Bem, se você tem uma vaca, e seu vizinho tem apenas vegetais, você não pode fracionar a vaca para poder ter valores equivalentes na troca.” E então o sistema de trocas ficou guardado na minha mente como uma forma arcaica de obtenção de bens e serviços que não tinha lugar em um mundo que funciona com moedas e notas para pagar por bens e serviços.
No entanto, nos últimos anos, tem havido um aumento no compartilhamento e permutas. Principalmente como uma resposta à grande quantidade de recursos que se encontram ociosos, porque o comprador certo, com a quantidade certa de dinheiro, não apareceu.
As iniciativas incluem serviços de compartilhamento de carros, como a ZipCar, que começou nos EUA e agora se expandiu para vários países europeus; aluguel de quartos através de sites como o AirBnB; e compartilhamento de escritórios ou cooperativas em edifícios em cidades ao redor do mundo que, de outra forma, estariam vazios.
A tecnologia permite esse compartilhamento em um contexto urbano, fornecendo aplicativos onde aqueles com necessidades (demanda) e aqueles com os bens ou aqueles capazes de prestar o serviço (oferta) podem facilmente se conectar.
O site collaborativeconsumption.com hospeda um diretório onde você pode encontrar aplicativos que permitem que você compartilhe sob categorias tão diversas como entretenimento, equipamentos, transporte e quartos.
Em um vídeo sobre consumo colaborativo da Nesta U.K., várias iniciativas locais são destacadas, incluindo algumas onde o tempo é a principal mercadoria a ser compartilhada, e que ajudam membros da comunidade a se conectarem uns com os outros. Não precisa ser algo grande a ser compartilhado – se você tiver algo, outra pessoa provavelmente poderá usá-lo também, essa parece ser a idéia.
Mas tal sistema de trocas não é uma novidade, mesmo que durante um tempo fosse apenas em um micro-nível. Em minhas viagens, em uma bolsa para estudar formas de engajamento com as questões ambientais em áreas urbanas de baixa renda, que encontrei este compartilhamento – o que eu chamo de uma “cultura de troca’ – em várias formas.
Foi nas feiras de troca e eco-feiras em São Paulo, por exemplo. Em um sábado ou domingo de cada mês, os moradores da Granja Viana (foto) vão para um local determinado, com seus itens já inúteis e suavemente desgastados, os arrumam em mesas ou só andam por lá para encontrarem oportunidades e entrarem em acordo com outros compradores e vendedores.
Também nas eco-feiras encontramos artesãos locais e agricultores, que vendem seus produtos (por dinheiro vivo), mas também estão lá para uma oportunidade de trocar itens. Livros por enfeites de casa feitos à mão, um suporte de velas frisado por um vaso de flores; uma velha mala por uma esteira de ráfia; pães e bolos caseiros por velas artesanais; ou uma troca particularmente interessante: um saco de vegetais orgânicos por uma tv antiga que meu anfitrião não usava mais.
Eco-feiras similares também são organizadas por moradores em mais uma iniciativa da Transition em Brasilândia, no norte da cidade, e que proporcionam uma oportunidade para o agricultor e o
artesão locais receberem pelos frutos de seu cultivo e de seu trabalho.
Também haviam outras formas pessoais de troca que presenciei enquanto vivia em Brasilândia e que serviram para mudar essa ideia na minha mente do papel da troca na economia moderna. Eu costumava assistir a uma aula semanal de dança Afro-brasileira na cidade e um dia que a professora perguntou-me se eu poderia escrever para ela uma história sobre uma experiência de vida do meu país natal em troca de uma aula de dança (gratuita). Eu queria dançar, e ela queria alguma forma de conexão com uma pátria ancestral que ela nunca tinha tido. Fizemos a troca.
Em outra ocasião, meu anfitrião-irmão respondeu:’Nós encontraremos alguma coisa que você possa dar em troca’, ao invés do meu: ‘Eu não tenho dinheiro para isso’ que eu diria para uma Mãe de Santo que oferecera uma leitura espiritual. Eu não fui corajoso o suficiente para propor a troca, então a leitura não aconteceu. Mas todos aqueles pequenos encontros me fizeram pensar não só sobre a viabilidade da troca na economia de hoje, mas também sobre o valor e os diferentes sistemas de valores.
Porque muita coisa do mundo é incorporada em uma economia capitalista, tentando resolver desafios modernos, tais como a sustentabilidade ambiental ou cultural, que podemos muitas vezes atingir a barreira da valoração e dos custos. Como podemos colocar um valor na biodiversidade? Na herança? Usamos apenas métrica econômica? Muitas vezes. Isso apenas captura o valor instrumental das coisas e impede que vejamos seu valor intrínseco? Sim.
Mas encontrar alguma forma que combine todos os tipos de valores (e aqueles que são incalculáveis) é um trabalho em andamento.
A cultura de troca que eu encontrei em São Paulo me apresentou uma economia alternativa de forma prática e também pessoal – que não teve de depender de dinheiro. Eu percebi que uma economia alternativa que permite o intercâmbio de bens e serviços sem o uso de dinheiro altera a maneira que nós valorizamos as coisas – fornecendo formas alternativas de atribuir valor às coisas, como o quão satisfeitos estaríamos tendo trocado um bem ou serviço.
Desta forma o valor intrínseco e talvez sentimental das coisas seja melhor capturado. E isso pode ajudar a formar conexões sociais, promover a criatividade e utilizar recursos que possivelmente seriam desperdiçados – todos aspectos necessários para uma cidade sustentável.
Talvez um dia irei propor uma troca em minha própria cidade natal.
Wangũi Kamonji é uma pesquisadora independente e graduada em estudos ambientais e estudos urbanos da Wellesley College. Ela escreve sobre seus encontros no Brasil, México, Colômbia, África do Sul, Tanzânia e Vietnã.