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O Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), Núcleo do Aglomerado Urbano de Jundiaí, entidade que abriga os arquitetos e urbanistas da região, critica o novo Plano Diretor por considerar o projeto de lei que está sendo debatido no Câmara Municipal uma ruptura muito grande no caminho do desenvolvimento da cidade.
O IAB, que participou das oficinas e debates do Plano Diretor participativo em seus dois anos e meio de discussões, divulgou uma carta enviada à secretária de Planejamento e Meio Ambiente, Daniela da Camara Sutti, onde aponta as principais discordâncias dos arquitetos ligados ao IAB com o projeto de lei proposto.
Para a presidente do IAB Jundiaí, Rosana Ferrari, o plano não está ainda maduro para ser votado.
“Existem muitas questões ainda em aberto. E o plano tem mais de 500 artigos e é muito complexo e de difícil entendimento por parte da população”.
Representantes do IAB fazem agora gestões na Câmara Municipal para que suas reivindicações sejam incorporadas ao projeto de lei em discussão. Abaixo, a íntegrada da carta enviada à secretária de Planejamento e Meio Ambiente.
Jundiaí até aqui
A Prefeitura de Jundiaí elaborou uma proposta de revisão do “Plano Diretor” em processo participativo no qual estiveram presentes alguns setores da sociedade. A proposta apresentada pelo poder público contém mais de 500 artigos e estabelece normas para regulação do parcelamento e uso do solo.
Trata-se de uma peça de extrema importância para todos os munícipes, mas apesar do impacto direto na vida de cada cidadão, o assunto ainda é bastante complexo e de difícil entendimento por grande parte da sociedade.
O Instituto dos Arquitetos do Brasil, Núcleo do Aglomerado Urbano de Jundiaí, entidade que abriga os arquitetos e urbanistas da região, teve participação ativa na elaboração de propostas e questionamentos durante todo o processo participativo, mas justamente por se tratar de um assunto tão complexo e de um projeto de lei tão extenso, acreditamos que as discussões ainda não foram exauridas e alguns pontos merecem especial atenção.
Jundiaí possui uma forte tradição e um longo histórico de planejamento urbano, desde 1969, a cidade elabora periodicamente seu planejamento, traçando objetivos e metas para desenvolvimento sustentável da cidade.
Com essa longa tradição sobre pensar a cidade para o futuro direcionando seu crescimento no presente, Jundiaí alcançou níveis de desenvolvimento econômico, social e ambiental muito superior à média brasileira.
Nas últimas décadas o município alcançou indicadores notáveis em muitos setores como mortalidade infantil, educação, taxa de analfabetismo, saneamento básico e PIB per capita. Entendemos que os indicadores positivos são frutos de um histórico de boas gestões e sucesso do planejamento adotado por diversas administrações.
Diante deste aspecto gostaríamos de enfatizar que consideramos que a atual proposta representa uma ruptura muito grande com o que vem sendo planejado nos últimos anos.
Entendemos que ao longo dos anos muitas normas foram estabelecidas pelo poder público, algumas alcançaram o objetivo desejado, outras não, mas é preciso avançar e aprender com estes erros.
Julgamos que pode não ser bom para a cidade “partir do zero” e elaborar uma proposta completamente inovadora como esta que vem sendo apresentada.
Como exemplo da ruptura que a atual proposta representa, gostaríamos de citar a lei 358/2002, cujo objetivo é a regularização de ocupações irregulares e o estancamento deste problema em nosso território.
Sabemos que esta legislação necessita de revisões e melhorias. Uma falha ter considerado a aplicação das mesmas regras e parâmetros da área urbanizada para o território da Serra do Japi, que possui suas especificidades ambientais.
Porém, a Lei carrega uma história de erros e acertos para regulamentar e conter as ocupações irregulares. Este histórico está sendo ignorado e uma proposta completamente nova foi apresentada.
Habitação
Quando uma cidade como Jundiaí alcança os indicadores que tem conseguido, torna-se mais produtiva e atraente, justamente por este motivo mais pessoas desejam se mudar para ela.
Consideramos desejável que a força de trabalho e outros recursos se mudem para nossa cidade, pois esta dinâmica de relocação de recursos é uma das causas da produtividade crescente, porém a proposta apresentada pela prefeitura tem o potencial de encarecer mais a habitação, pois estabelece altas restrições e taxa as atividades da construção com outorga e contrapartidas.
Este encarecimento força a população a se estabelecer na periferia e nas cidades do entorno, agravando ainda mais o problema da mobilidade. Sabemos que em lugares com altas restrições ao uso do solo, a demanda crescente se mostra mais nos preços da habitação do que em sua quantidade.
Para mitigar o problema do custo da Habitação, a atual proposta estabelece a demarcação de algumas ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) no território. A expectativa do governo é que o custo de terra seja reduzido com tais demarcações o que deveria fazer com que habitações de Interesse Social fossem viabilizadas.
Gostaríamos de chamar atenção para a falta de viabilidade para o setor privado investir em tais projetos, visto que não há mecanismos de fomento. Chegaremos ao ponto de que, ou o poder público investe seus escassos recursos na construção de conjuntos habitacionais, ou estas ZEIS correrão o sério risco de ficarem abandonadas e sofrer invasão.
Nota-se também que ao contrário do discurso oficial, foram demarcadas ZEIS, em sua maioria, em áreas periféricas como no Bairro do Poste, Santa Gertrudes e Castanho, o que como já é sabido ocasiona problemas de mobilidade entre outros.
Mobilidade
Para enfrentar o problema crescente da falta de mobilidade a proposta apresentada pelo governo trabalha com o conceito de “DOTS”, Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável, que defende permitir o aumento das construções ao longo de corredores de transporte coletivo.
Nos “Miolos de bairros”, como definido pela administração, a quantidade de construções ficaria restrita. Esta ideia é baseada no modelo de Curitiba, que permitiu o adensamento construtivo e populacional ao longo dos corredores de BRTs (Bus Rapid Transit) ou Transporte Rápido por Ônibus.
Esta solução pretende viabilizar o transporte público e aumentar o estoque de moradias nas regiões centrais, além de supostamente atender às expectativas dos moradores no interior dos bairros, que em tese são contrários à verticalização.
O que este modelo deixa de levar em consideração é que toda a unidade que deixa de ser construída no interior de um bairro obrigatoriamente será construída na periferia ou nas cidades vizinhas gerando deslocamentos e custos de infraestrutura ainda maiores.
É claro que nem todos os bairros tem vocação para a verticalização, alguns apresentam características específicas que não se prestam ao adensamento populacional, restrições ambientais e do sistema viário devem ser estudados com critério, porém não tivemos acesso a estas análises criteriosas.
Alguns bairros são mais demandados que outros. Bairros já consolidados demandam custos mais altos para o “redesenvolvimento”, portanto são menos demandados, o que faz com que continuem disponíveis para quem preferir características menos intensas em sua vizinhança.
Sempre existirão opções de moradia de densidades mais baixas.
Questão da água – Ruralização
Há algum tempo a cidade vem assistindo suas áreas de mananciais serem ameaçadas por ocupações incompatíveis com a fragilidade ambiental daquele território.
A questão da água é de fato um dos principais desafios estratégicos e ambientais que se impõe sobre nossa cidade. Escolhas que fazemos hoje determinarão a oferta de água em poucos anos.
A atual proposta tenta resolver esta equação ruralizando todo o território das bacias e propõe o pagamento por serviços ambientais que seriam financiados pelo Fundo Municipal de Desenvolvimento Rural.
Os recursos do Fundo serão obtidos a partir de verbas do Fundo Municipal de Desenvolvimento Territorial (20%), da municipalização do ITR (100%), ICMS ecológico (50%) e compensações previstas no EIV (Estudo de Impacto Ambiental).
Sabemos que a produção rural apresenta grande dificuldade para sua viabilização econômica em nossa região, portanto a manutenção das áreas de mananciais fica muito dependente dos recursos do Fundo.
Uma vez que os recursos deste fundo estão diretamente relacionados à oneração de atividades da construção civil, a questão que colocamos é: Há equilíbrio entre as receitas previstas e a alocação de recursos desejáveis à manutençãodas atividades rurais nestas áreas?
O futuro do planejamento
Quando surge uma proposta de transformação tão grande em um instrumento tão importante quanto o plano diretor, temos que levar em consideração que todo o corpo técnico da prefeitura terá que se adaptar à nova lógica que se impõe.
Uma lei extensa e complexa como esta que vem sendo proposta demandará um longo período até que a estrutura burocrática do município se adapte e domine todas as ferramentas para que possa fazer seu uso efetivo.
Isso fatalmente ocasionará um custo aos munícipes e um tempo de paralisia até que os técnicos se habituem à nova lógica. Não podemos ignorar que isto acontecerá em um momento de profunda recessão da economia brasileira.
A atual proposta traz uma visão de planejamento urbano em que o papel do poder público é essencialmente controlar e regular, mantendo a tendência de negar as especificidades da cidade.
Desejamos um urbanismo que se esforce em construir as respostas para cada situação caso a caso, que acumule a experiência, os saberes e as técnicas, não para aplicar soluções repetitivas, mas para aumentar possibilidades de adaptação aos contextos particulares mutantes e incertos.
Neste sentido voltamos a chamar a atenção para a criação de um Centro de Estudos Urbanísticos, que trabalhe de maneira independente das trocas de gestão e tenha como sua finalidade principal trabalhar os planos e projetos para o município.
Para finalizar, gostaríamos de alertar que a proposta apresentada considera principalmente as demandas levantadas pelo setor público em detrimento às do setor privado, o que consideramos um equívoco, pois abre um campo enorme para subjetividades e arbitrariedades, além de transformar
o que deveria ter um caráter “Fomentador” em uma proposta de caráter exclusivamente “Regulador”.
Para alcançarmos o objetivo de Jundiaí ser uma cidade produtiva e competitiva, que é o que desejamos para o futuro, consideramos que o papel do poder público deveria ser o de conciliar as lógicas dos diversos atores da cidade e administrá-las na gestão pública, mas não centralizar tantas decisões, principalmente no momento atual, marcado por gestões participativas, em consonância com o Estatuto da Cidade.
Foto de abertura: Marcos Fernandes