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Na foto de abertura, Pedro Bigardi no seu primeiro dia como prefeito: 1º de janeiro de 2013.
Como um governo iniciado com uma eleição histórica de 2012 contra vinte anos de hegemonia tucana termina lutando pela defesa de seu legado diante da sensação paralisante da crise?
A realidade específica de Jundiaí não evitou que o final de 2016 confirme localmente o conceito de “pós verdade” apontado em diversos países como um marco deste ano.
Ou seja, o fenômeno estimulado pelas redes sociais onde os números e fatos muitas vezes importam menos que as versões emocionais predominantes.
As eleições teriam acabado em 30 de outubro, mas em novembro a máquina administrativa municipal praticamente parou.
Uma dispensa em massa de colaboradores temporários e uma paralisação de projetos em andamento formaram um cenário para as suspeitas de crise financeira, personificada pelo estado de alerta que alcançou boa parte dos hospitais públicos da região ou do estado também no Hospital de Caridade São Vicente de Paulo – com efeitos na percepção do tempo de espera de consultas e exames no restante da rede de saúde.
Diante dos novos danos políticos explorados pelo governo eleito, o prefeito Pedro Bigardi voltou à mídia para defender seu legado.
Não que o prefeito eleito Luiz Fernando Machado vá navegar em um mar azul, como mostram as reações populares ao seu anúncio da transição de que dificilmente a tarifa de ônibus possa ser mantida a R$ 3,80 no dinheiro e a R$ 3 no bilhete único, este um preço subsidiado há quatro anos.
A questão agora é de significados na crise.
A disputa entre ambos visa o futuro político, antevendo as dificuldades de 2017 e quem será mais responsabilizado por elas em um paralelo (nas devidas proporções) com o caso nacional onde o presidente temporário Michel Temer continua sem nenhum respaldo social mesmo passados sete meses do afastamento de Dilma Rousseff, que era apontada como o centro da crise.
Como disse Sérgio Rodrigues na quinta-feira, 15, em crônica publicada pelo jornal Folha de São Paulo, a palavra do ano no Brasil não é mais a “pós-verdade” mas sim a falência generalizada. Anotaram a placa?
Os problemas concretos usados nesse último confronto político do ano possuem componentes variados.
Ao lado do peso de encerrar o mandato sem colocar em funcionamento nenhum dos quatro mini-hospitais (UPAs) com obras iniciadas, ficaram para o futuro a conclusão de obras como a reforma do Centro das Artes ou o início de obras dos ônibus de trânsito rápido (BRT), além da construção efetiva do Parque Tecnológico ou da entrega da ligação direta entre as avenidas Samuel Martins e 14 de Dezembro.
Sem contar ações menores como a construção de ciclovias, com projetos elaborados mas não implementados, ou os danos ao legado de valorização dos artistas locais causado pelo atraso de pagamento de aulas contratadas.
Acima da disputa, Jundiaí não deixou de ter avanços nesse período.
Alguns dados recentes são o reconhecimento estadual pelos cuidados ambientais vindo pelo terceiro lugar entre 645 municípios paulistas pelo Programa Município Verde e Azul, o reconhecimento federal pelos cuidados educacionais com a elevação da rede escolar do município no IDEB.
Os avanços no turismo, com a iminência de oficialização no seleto grupo dos municípios paulistas de interesse turístico em tramitação na Assembleia Legislativa inclusive com apoio do prefeito eleito ainda como deputado, foram muito efetivos (incluindo o sucesso do novo formato comunitário da Festa da Uva, que começou a ser discutido ainda no final da era tucana anterior).
O saldo envolve ainda dezenas de escolas novas ou reformadas (com uniformes), de postos de saúde novos ou reformados, de centros esportivos novos ou reformados, um grande volume de unidades habitacionais e regularizações fundiárias, um bom número de praças reformadas, novos parques, pontes novas para ampliar o sistema viário.
Também a multiplicação de varejões noturnos e pontos de abastecimento direto por produtores, ampliação de guardas e de monitoramento eletrônico na cidade e na serra, avanços na questão dos idosos ou de igualdade racial.
Por outro lado, o sistema viário vai mudar profundamente com as novas alças sobre a rodovia Anhanguera, em parceria com o Estado. Mas a paternidade da obra será disputada politicamente — e o governo eleito critica a falta de dotação orçamentária para que a Prefeitura cumpra sua parte da obra.
Mas os efeitos da crise – e a reação a eles – no pós-eleição podem amarelar todos esses pontos.
Crises positivas
Nem todas as crises são necessariamente negativas.
Se as crises econômica, política e social do país atingiram em cheio o governo Bigardi, uma outra foi benéfica.
A crise de água de 2014-2015, que atingiu boa parte dos estados do Sudeste e tornou Jundiaí uma referência, mobilizou moradores e os mais diversos setores (inclusive imobiliários) para o debate em torno do Plano Diretor Participativo – um instrumento territorial da cidade que alcançou importantes resultados em proteção ambiental, promoção da agricultura local, cuidado com os bairros e perspectivas de habitação social.
Mas seus resultados, entretanto, não foram capitalizados politicamente pelo prefeito porque diversos segmentos da sociedade participaram do processo sem estarem atrelados a uma única corrente.
Em outros casos relacionados o alcance foi ainda mais restrito, como na implementação de contrapartidas de novos grandes empreendimentos nos Estudos de Impacto de Vizinhança (EIV), que permitiram investimentos extraorçamentários em aspectos viários ou urbanísticos, ou a atração de novas empresas no meio da crise econômica com o programa Desenvolve Jundiaí.
Também testes de novos métodos em ações como o Urbanismo Caminhável, o Sexta no Centro ou o Jundiaí Feito à Mão foram pouco apropriados pelo conjunto de setores e até por moradores em geral.
Em casos mais complexos, como a acordo sobre tratamento de lixo com a Alemanha, foi praticamente nulo.
O fato é que há apenas um ano o aniversário de Jundiaí era celebrado pela volta da Ponte Torta como monumento restaurado (e depois premiado na Itália), seguido depois pela reforma do Escadão e antecedido em 2013 pelo salvamento da fachada original da Casa de Saúde para uso como PA Central 24 Horas.
Mas neste ano a data ficou sem celebrações oficiais. Sinal dos tempos.
Tempestade perfeita
O período do governo Bigardi foi marcado logo no início pelas manifestações de junho de 2013, com a ocupação das ruas por milhares de pessoas (principalmente jovens) contra os megaeventos da Copa e da Olimpíada e por uma misto de qualidade e expansão dos serviços públicos.
O processo ressurgiu mais à direita em 2014, com o início da Operação Lava Jato e uma nova onda de manifestações (agora principalmente de adultos de classe média).
No caso de Jundiaí, o processo impulsionou o retorno do PSDB ao parlamento federal e estadual nas eleições, enquanto candidatos apoiados pelo governo local chegavam no máximo à suplência.
O fenômeno ocorreu dentro de uma polarização social poucas vezes visto desde os tempos de Getúlio Vargas, agora amplificada pelas redes sociais.
O clima político azedou de vez em 2015, com o escancaramento da crise econômica e os brasileiros passaram a xingar-se de “coxinhas” ou “petralhas” enquanto políticos menores criavam um novo balcão paralelo ou mudavam de lado de acordo com as conveniências.
A crise avolumou-se em 2016, criando um conflito entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário que culminou mas não cessou com o impeachment (ou golpe, dependendo do analista) da presidente Dilma e a ascensão de seu vice, Temer.
Ao longo desse período, o prefeito Pedro Bigardi acreditou que a cidade teria uma dinâmica própria e as apostas feitas no início de governo dariam frutos a tempo.
Ele até enxergou o desgaste da esquerda, que nas últimas eleições foi eliminada da Câmara Municipal com a ausência do PCdoB ou do PT. Mas o “timing” da sua mudança do PCdoB para o PSD, ocorrida na véspera do Carnaval de 2016, foi uma tentativa tardia.
O campo chamado de direita já estava organizado pelo PSDB e por uma dissidência de centro surgida em torno de Ricardo Benassi no PPS.
Um diferencial ainda mais importante, entretanto, foi mostrado pela decepção do eleitorado com a política em geral. Foi um número recorde de abstenções, brancos e nulos (mais de 30% do eleitorado), que selou os efeitos da crise brasileira de representatividade.
Tanto que no segundo turno o patamar de 140 mil votos de Bigardi de 2012 esfumaçou-se para 82 mil votos – mesmo que a diferença não tenha sido inteiramente capitalizada por Luiz Fernando, que elevou o patamar de 90 mil para 115 mil.
A desmobilização social ainda precisa ser analisada.
Guerra de imagens
O estágio final da disputa política em torno da gestão da crise na cidade acontece principalmente em torno da saúde pública, área que a maioria dos políticos e servidores não usa diretamente por contarem com planos privados.
Como fez ao longo do governo e da campanha, Bigardi busca em sua ofensiva de mídia afirmar as marcas de conciliador de conflitos internos, de humanizador da cidade, de realizador de obras e até da origem como servidor público (curiosamente, não se apropriou do aspecto participativo).
Mas continuou enfrentando um dos “memes” mais consolidados nas conversas cotidianas sobre sua grande simpatia, sempre acompanhada de restrições a nomes de sua equipe.
Talvez, como ocorreu com a crise de água no processo do Plano Diretor, tenha faltado usar de forma mais transparente a crise econômica para priorizar ações. Talvez tenha faltado um pouco mais de rigor na cobrança de integração e harmonia entre setores.
Ou talvez, como mostram os hospitais em crise por toda a região, tenha sido inevitável a contaminação da crise brasileira na cidade.
O fato é que o fim de governo em Jundiaí é melancólico. Como no país como um todo, a cidade vai precisar do diálogo entre suas forças progressistas além de direita ou esquerda para superar uma crise onde a saúde, paradoxalmente, é apenas um sintoma.