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Por Claudio Angelo, do Observatório do Clima
Um iceberg três vezes maior do que a cidade de São Paulo pode estar para se desprender de uma plataforma de gelo na Antártida.
Cientistas britânicos que monitoram o local desde 2014 afirmam que tudo o que separa uma parte da plataforma Larsen C de sair flutuando pelo oceano é uma pontinha de gelo de 20 quilômetros de extensão.
A rachadura que se abriu na plataforma tem 80 quilômetros hoje – a distância entre São Paulo e Campinas – e quase 500 metros de largura. Apenas em dezembro do ano passado ela cresceu 18 quilômetros.
Ninguém sabe quando a quebra ocorrerá. Os galeses do projeto Midas, da Universidade de Swansea, afirmam que ela é iminente. O engenheiro John Sonntag, da Nasa, que sobrevoou o local em novembro, se diz mais cético. Segundo ele, o rompimento pode levar vários meses para acontecer.
“Tudo o que sabemos é que o iceberg mais hora, menos hora, vai se soltar, e quando isso acontecer, reduzirá em cerca de 10% o tamanho da plataforma Larsen C”, disse Sonntag. “Por qualquer métrica, é um evento imenso.”
De fato, imenso é a palavra: o iceberg de 5.000 quilômetros quadrados seria o quinto ou sexto maior já registrado, e o maior na região da Península Antártica, a porção do continente gelado mais próxima da América do Sul.
Mas por que você deveria prestar atenção nisso? O que um bloco de gelo colossal quebrando no fim do mundo tem a ver com você?
Neste momento, não muita coisa. (A menos, claro, que você tenha planos de navegar pelo mar de Weddell em 2017.) O efeito mais temido de episódios de perda de gelo, o aumento do nível do mar, não ocorrerá neste caso. Isso porque a plataforma Larsen C, assim como todas as plataformas de gelo da Antártida, é feita de gelo que já está flutuando no mar. Pense num copo de refrigerante com gelo: quando ele derrete, o nível do líquido não muda.
O que deixa os cientistas de cabelo em pé com a Larsen C é que este episódio parece ser a realização sombria de uma antiga profecia sobre a mudança climática: a de que, num mundo em aquecimento perigoso, as primeiras vítimas seriam as plataformas de gelo da Antártida, e elas se esfacelariam de norte para sul, a partir da ponta da Península.
Essa previsão foi feita pelo glaciologista americano John Mercer em 1978. E encontrou sua realização justamente nas plataformas de gelo Larsen. Em 1978 elas eram três. Hoje resta apenas uma.
A Larsen A, a menor das três (veja o mapa), se rompeu em 1995. Na época pouca gente deu bola, já que não havia monitoramento frequente por satélites e a influência da humanidade no aquecimento da Terra apenas começava a mostrar sinais evidentes.
Em 2002 foi a vez da Larsen B, e a história foi outra: a desintegração da plataforma, que pareceu explodir em milhares de icebergs, foi acompanhada em tempo real pelos cientistas. O evento durou pouco mais de um mês, levando embora uma área de 3.275 quilômetros quadrados de gelo que hoje é mar aberto.
O verão de 2002 foi um dos mais quentes da história na Península Antártica, que por sua vez é uma das regiões do planeta que mais aqueceram: cerca de 3oC desde 1950. Aquele foi um dos alertas mais poderosos já dados sobre a realidade – e o perigo – da mudança do clima.
O problema das plataformas de gelo é o efeito colateral de seu rompimento. Essas imensas línguas de gelo flutuantes funcionam como rolhas ou barragens, freando o escoamento das geleiras que nelas desembocam. Essas geleiras, caso escorram mais rápido para o oceano, podem, sim, elevar o oceano. A Península Antártica tem armazenado em seus glaciares o equivalente a meio metro de nível do mar.
Confie em mim: você não vai querer todo esse gelo despejado na água.
Segundo Sonntag, a preocupação é que o rompimento do iceberg seja um sinal de enfraquecimento da plataforma, que deixe a Larsen C – a quarta maior plataforma de gelo do mundo, com 48 mil quilômetros quadrados, pouco maior que o Espírito Santo – suscetível a uma desintegração.
“Esses eventos de desintegração podem acontecer em poucos dias. É quase como bater com um martelo num painel de vidro”, compara o pesquisador da Nasa.
“Se a plataforma for embora, todas as geleiras que a alimentam perderão seu freio e começarão a fluir muito mais rápido e a aumentar o nível do mar.” Foi exatamente o que aconteceu com a Larsen B. “Mas a Larsen B era muito menor e freava muito menos geleiras que a Larsen C.”
Um estudo publicado em 2015 pelos pesquisadores do Midas sugere que o rompimento do iceberg deixaria a plataforma numa configuração geométrica instável, favorecendo o colapso. Sonntag diz que não há como saber. “Mas certamente este evento não é um bom sinal.”