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1967 foi o ano da psicodelia e do Verão do Amor, e também foi quando o mundo da música decidiu que era hora de todo mundo enlouquecer
Quando nos aprofundamos em determinados movimentos artísticos, é no mínimo intrigante observar a variedade e a qualidade do que foi criado quase que simultaneamente em uma determinada época em diferentes lugares, e como uma sintonia misteriosa parece conectar sentimentos e pensamentos em lados opostos do globo.
O que é que leva algumas formas de arte a se convergirem para uma mesma explosão uníssona de expressão? Seria uma combinação de referências, tecnologias e drogas surgidas e disponibilizadas ao mesmo tempo para muitas pessoas? Uma energia ainda inexplicável? Algo a ver com a sincronicidade de Jung?
O ano de 1967 é, especialmente na música, um prato cheio pra quem gosta de observar estes fenômenos.
Enquanto São Francisco vivia o “Summer of Love”, no Brasil o Festival de Música Popular Brasileira revelava o embrião da Tropicália com Caetano, Gil e os Mutantes, e o mundo inteiro sentia ecoar um sentimento de liberdade pós-rock ’n’ roll e pós-geração beat, que afetou o comportamento e a música de toda uma juventude. Eram os anos 60 ganhando cor, ousadia e uma nova forma de se expressar e de explorar corpo e mente.
A linguagem na música, de uma hora pra outra – e por todos os lados – encontrou novas formas de despertar novas reações, explorando todos esses sentimentos que afloravam no mundo e mergulhando em um mar de estranhezas que, não só deixou muita gente maluca, mas mudou pra sempre os rumos da música em diversos aspectos.
Esta onda de inspiração gerou tanta coisa boa, que chega a ser ingrata a tarefa que assumimos de selecionar apenas 10 álbuns que representam essa fase.
Pra acompanhar a lista mais psicodélica que já feita no Topsify, recomendamos a playlist Classic Rockers (disponível aqui ), que abre com os sons recomendados abaixo. Os discos estão em ordem cronológica pela data dos seus lançamentos
“THE DOORS” (The Doors) | 04/01/1967
Mais legal do que o primeiro grande álbum lançado em 67 ter sido o homônimo de estreia da banda liderada por Jim Morrison, é saber que a primeira faixa desse disco – “Break on Through (To The Other Side)” – abre com uma levada de bateria diretamente influenciada por um ritmo brasileiro: a bossa nova.
Depois disso, uma enxurrada de clássicos e jams guiadas pelos teclados inconfundíveis de Ray Manzarek e a voz única de Mr. Mojo Rising criavam uma sonoridade sem precedentes e carimbavam, logo no início do ano, a entrada dos Doors para a história da música.
Para ouvir na playlist: “The Crystal Ship”
“THE VELVET UNDERGROUND & NICO” (The Velvet Underground) | 12/03/1967
Quem também estreou com um verdadeiro clássico foram os nova-iorquinos do Velvet Underground, com um álbum cuja capa, assinada por Andy Warhol, é reconhecida até hoje em qualquer canto do mundo. Porém, mesmo com a arte icônica, o tesouro está mesmo nas músicas, na voz e na genialidade criativa de Lou Reed.
Apesar de não ter atingido sucesso comercial na época, a obra conquistou ao longo dos anos o reconhecimento de um dos discos mais influentes de todos os tempos. Destaque também para a bela voz da cantora alemã Nico nas faixas “Femme Fatale”, “All Tomorrow’s Parties” e “I’ll Be Your Mirror”.
Para ouvir na playlist: “I’m Waiting for the Man”
“THE GRATEFUL DEAD” (The Grateful Dead) | 17/03/1967
Cinco dias após Nova York apresentar ao mundo o mood psicodélico urbano do Velvet Underground, era a vez da costa oeste dos EUA mostrar a que veio em 67. E foi em São Francisco, núcleo nervoso do Verão do Amor e do movimento hippie, que a banda do lendário Jerry Garcia surgiu.
Gravado em apenas 4 dias, o álbum homônimo do Grateful Dead não estourou com a força que ainda viria a ganhar, mas foi importantíssimo regionalmente e alicerçou a sonoridade folk, rock e psicodélica dos californianos, além de marcar o início de uma das apresentações ao vivo mais interessantes daquela época, sempre apoiadas em jams arrebatadoras.
Para ouvir na playlist: “Morning Dew”
“SGT. PEPPERS LONELY HEARTS CLUB BAND” (The Beatles) | 01/06/1967
Um marco. Uma obra-prima e uma banda que dispensam apresentações. Quando em meio a toda beatlemania, os Fab Four resolveram interromper as suas apresentações ao vivo para focar nos trabalhos em estúdio, o que aconteceu não podia ser previsto nem pelo fã mais ferrenho e otimista.
Revelando níveis incomuns de criatividade, ousadia e inspiração, os Beatles gravaram com George Martin, nos estúdios de Abbey Road, aquele que se tornaria o disco mais revolucionário da música pop.
Considerado um dos primeiros discos de art rock de todos os tempos, “Sgt Peppers” segue sendo estudado no universo musical até hoje pelas técnicas inovadoras utilizadas e pelo legado que reflete, direta ou indiretamente, em tudo que é produzido até hoje.
Para ouvir na playlist: “A Day in the Life”
“THE PIPERS AT THE GATES OF DAWN” (Pink Floyd) | 05/08/1967
A loucura e a psicodelia sessentista não seriam as mesmas sem a figura líder da primeira fase do Pink Floyd: Syd Barrett. O incomum, o estranho, o inesperado e a inquietude artística ganharam em Syd um símbolo psicodélico que guiou as composições de “Pipers at the Gates of Dawn”, um álbum que, talvez justamente por às vezes dificultar o ouvinte de seguir adiante de alguns trechos, segue surpreendendo mesmo quem já conhece há muito tempo.
Dividido em canções escritas por Syd e longas jams que externavam aquela comunicação que só o Pink Floyd conseguia ter ao improvisar, o disco foi gravado nos estúdios Abbey Road simultaneamente ao “Sgt. Peppers” dos Beatles. Inclusive, a faixa “The Scarecrow” foi gravada um dia após a banda ter sido convidada a assistir os Fab Four gravando “Lovely Rita”.
Para ouvir na playlist: “Bike”
“SOMETHING ELSE BY THE KINKS” (The Kinks) | 15/09/1967
Ray Davies é um daqueles compositores que têm uma facilidade incomum para fazer observações geniais sobre a vida cotidiana, mais ou menos como um Noel Rosa inglês. Só que o talento de Ray unido à audácia de seu irmão Dave Davies com os Kinks resultou em uma discografia cujo nível de criatividade e musicalidade pode ser comparada facilmente a de gigantes ingleses como Beatles e Stones.
Mas os Kinks navegaram sempre em uma espécie de universo paralelo do rock nos anos 60, com letras muito mais voltadas para a realidade inglesa (até porque a banda passou a fase da British Invasion proibida de fazer tours pelos EUA).
E foi no álbum “Something Else by the Kinks” que eles tiveram um de seus auges criativos, concentrados em um disco curto porém repleto de arranjos e timbres incríveis, além de pérolas como “No Return”, “Situation Vacant”, “End of a Season” e a bela “Waterloo Sunset”, já considerada em uma lista da Rolling Stone como uma das 50 melhores músicas de todos os tempos.
Para ouvir na playlist: “Afternoon Tea”
“FOREVER CHANGES” (Love) | 11/1967
Seguindo o exemplo de alguns dos álbuns mais geniais e influentes desse ano, como o do Velvet Underground, “Forever Changes” não correspondeu comercialmente ao Love de forma coerente com a sua qualidade e o seu legado.
Marcado por conflitos internos durante as gravações, acabou sendo o último disco de estúdio com a formação original, o que não impediu a banda de realizar uma obra ousada e bela, com arranjos que fugiam das usuais guitarras elétricas agressivas e sua pegada pré-punk para ocupar seus espaços com violões acústicos e orquestrações muito mais complexas. O trabalho também abre espaço para temáticas pesadas, como a bad trip do abuso de drogas em “Live and Let Live”.
Para ouvir na playlist: “A House Is Not a Motel”
“BUFFALO SPRINGFIELD AGAIN” (Buffalo Springfield) | 18/11/1967
Antes de estourar com o supergrupo Crosby, Stills and Nash, Neil Young e Stephen Stills estavam voando baixo no Buffalo Springfield. Os canadenses desceram para morar nos EUA na metade dos anos 60 levando na bagagem a sua essência folk e roqueira para experimentar toda a loucura flower power que a Califórnia tinha pra oferecer, chegando a uma sonoridade que misturava caipiragem e psicodelia com uma fineza e elegância sem iguais.
Em “Buffalo Springfield Again”, 2º dos seus 3 álbuns de estúdio, a banda já abusava mais de experimentações tanto nos arranjos quanto nas estruturas das músicas, sem perder a sua roqueirice em pedradas como “Mr. Soul”, e explorando até um mood mais funky e soulful em “Good Time Boy”.
Para ouvir na playlist: “Bluebird”
“AXIS: BOLD AS LOVE” (Jimi Hendrix Experience) | 01/12/1967
Apesar de ter sido gravado para cumprir um contrato que exigia 2 discos lançados pela Experience em 1967, a inspiração e o talento irreais de Jimi Hendrix, Mitch Mitchell e Noel Redding não permitiram menos do que a gravação de uma das maiores obras-primas do rock de todos os tempos.
Após deixar claro a total falta de vontade de seguir padrões abrindo o disco com “Exp” (2 minutos de um discurso permeado por alterações de pitch seguido de microfonias que dançam de um lado pro outro no ouvido de quem ouve), o álbum traz experimentações sem limites, explorando influências do jazz, do blues, navegando pelo peso roqueiro de “Spanish Castle Magic”, o R&B pop de “Wait Until Tomorrow”, e deixando a desejar só ao terminar a bela “Little Wing” com apenas 2 minutos e 26 segundos de duração, quando poderia durar facilmente uns 7.
Para ouvir na playlist: “Up from the Skies”
“THEIR SATANIC MAJESTIES REQUEST” (The Rolling Stones) | 08/12/1967
Um dos anos mais marcantes e ousados da música não poderia acabar sem ser representado também por uma das bandas mais marcantes e ousadas de todos os tempos: os Rolling Stones. A experimentação foi longe no disco, que explorou elementos como Mellotron, ritmos africanos e orquestrações complexas, resultando no trabalho mais incomum da discografia dos ingleses, na época ainda com o lendário Brian Jones.
Com um quê de paródia de tudo que vinha acontecendo no universo musical psicodélico, “Their Satanic Majesties Request” trazia momentos que dificultavam a audição do ouvinte mais despreparado, como a longa jam de “Sing This All Together (See What Happens)”, mas também teve espaço para um clássico belo e indiscutível: “She’s a Rainbow”. O álbum ganhou mais destaque ainda por sua excentricidade com o passar dos anos, já que se transformou em uma espécie de anomalia na discografia dos Stones, que nunca mais foram tão experimentais em estúdio.
Para ouvir na playlist: “Citadel”
O legado do que foi criado em 1967 segue ecoando em tudo de mais ousado e psicodélico que a música produz em todas as partes do mundo, tornando-se uma escola única de criatividade artística e inspiração no som de que quem está sempre buscando explorar o novo.
As faixas recomendadas na lista estão todas na playlist Classic Rockers, disponível na página do Topsify junto com inúmeros outros clássicos indiscutíveis das principais fases do rock ‘n’ roll.