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Pensar bicicleta é muito mais do que pedalar. Dar um rolê de bike é sempre uma delícia, especialmente quando a gente consegue sentir alguma segurança. Pra quem está acostumado a esse mundo maluco, no entanto, nada tira a alegria de pedalar.
A bicicleta é democrática, silenciosa, amistosa, simples.
É possível parar fácil em qualquer lugar. Não precisa pagar passagem. Não precisa abastecer. Não paga IPVA, nem licenciamento. E tem uma eficiência energética fantástica — basta lembrar que depois de toda subida tem sempre uma descida.
Bicicleta é, acima de tudo, um estilo de vida. Uma opção pelo simples.
Eu ando de bike a vida toda. Alguns períodos mais e outros menos. Em Jundiaí, em Santos, em São Paulo e em quase todos os lugares em que morei e visitei na vida. Das 20 e tantas marchas e suspensões e coisa e tal até a que uso hoje, montada por mim mesmo, com uma marcha só e sem qualquer sofisticação.
Resolvi andar mais devagar.
Não tem muito tempo escrevi que ia parar com isso. E parei mesmo.
Jundiaí é extremamente perigosa para quem pedala. Depois de um bom período em Santos, onde tem ciclovia pra todo lado, voltei a estar por aqui. Meu entusiasmo por andar de bike durou alguns meses apenas. As “finas” dos motoristas, os buracos nas vias e calçadas, a falta de uma infraestrutura com a mínima segurança me desanimaram.
Mas não tem como: a bicicleta está nas veias. E pernas. De pneus novos voltei pras ruas.
Não apenas porque a bicicleta me deixa alegre, me faz sentir eu mesmo, mas também porque quero ser mais um (de novo e como sempre) a exigir que as autoridades olhem para quem anda de bicicleta e entendam que andar de bike é muito mais do que pedalar.
Andar de bicicleta é olhar o outro com mais respeito. É não poluir. Não fazer barulho. É olhar a cidade com mais calma, mais devagar. Hoje mesmo, andando pelo interessante Jardim Danúbio parei no Bar do Daniel para uma água. Ali, bem em frente da pracinha, ao lado da Associação Amigos do Bairro. Fiquei sabendo que amanhã tem Festa dos Avós, organizada pelos moradores.
De carro é impossível perceber os detalhes, as delicadezas que só de bike (ou a pé) se pode ver.
Anos e anos pedalando e escrevendo a respeito do assunto, entrevistando gente, inventando jeitos para chamar a atenção do poder público, já vi muitas cidades transformarem seu ambiente incluindo uma infraestrutura possível para ciclistas. Santos já tinha uma tradição. E continua investindo. Cada dia são mais e mais ciclovias.
Sorocaba mudou a paisagem em poucos anos. São Paulo reinventou o jeito de pensar bike (mesmo que agora ventos retrógrados queiram ignorar isso, a São Paulo de hoje é bem diferente do que enfrentei nos muitos anos em que pedalei por lá).
Jundiaí está devendo aos seus milhares de ciclistas. E não estou dizendo que é essa administração ou a anterior ou a que veio antes. São todas. Desde sempre.
Quando eu era criança e morava na rua Bartolomeu Lourenço, então chamada a Rua do Laticínio, estudava no Grupo Escolar Argos Industrial SA. Uma das coisas mais incríveis na minha paisagem diária, quando ia para a escola, era ver o imenso (imenso mesmo) bicicletário da Argos. Centenas e centenas de bicletas penduradas.
E era assim nas outras fábricas da cidade.
Lembro da alegria quando ganhamos do meus pais nossa primeira Caloi Berlineta. Digo nós porque era uma pra nós quatro irmãos. Que legal ter uma bicicleta. Eu e meu amigo Jamil fizemos uma vez uma viagem dali da Bartolomeu Lourenço até a distante pedreira — que aventura daqueles meninos! A pedreira era ali onde é o hoje o Jardim Botânico.
Mas já naqueles tempos andar de bicicleta era andar por caminhos que carros não andam. Fomos pela linha da Sorocabana, onde hoje está a avenida União dos Ferroviários.
E é isso que é muito difícil fazer quem tem o poder de construir infraestrutura para bicicletas entender: os caminhos das bikes não são os mesmos dos carros. E Jundiaí não é tão assim cheia de morros como nos fazem acreditar. E a cidade nem é assim tão grande quanto se imagina.
Eu digo isso por experiência aqui e em muitos lugares mais pedaláveis. Na bicicleta é possível construir rotas inimagináveis para carros. Qualquer pedacinho de calçada nos transporta de um bairro sossegado (muitas vezes ao lado de avenidas movimentadas) para vielas ou outras vias tranquilas.
Em uma época que eu vivia em São Paulo costumava ir ali da região do Sesc Pompéia, onde eu morava, para a Bela Cintra, onde trabalhava, por caminhos que só bike poderia me levar. Uma das minhas trilhas preferiadas era cruzar por dentro do cemitério para evitar a perigosa Doutor Arnaldo.
Bike é assim. Livre.
E é esse pensamento livre que deve (espero que algum dia) entrar na cabeça dos fazedores de leis de ciclovias e ciclofaixas, ciclorrotas, paraciclos e tudo mais que uma bike tem direito.
E vamos falar a real: é um baita paradoxo que Jundiaí não tenha uma incrível infra pras bikes, uma vez que são milhares de ciclistas nas ruas todos os dias e noites. Só dar uma olhada no tanto de gente nos passeios noturnos pela cidade e trilhas das redondezas.
E outro tanto de gente nos parques nos finais de semana e mais outro tanto indo e voltando do trabalho de segunda a sexta.
Que é que tá faltando para quem pode se ligar nisso? Na minha opinião falta justamente andar de bike para poder entender o que é que estou falando. Pois é na bicicleta que se percebe o que é possível fazer de bicicleta. Óbvio, né?
Não é não.
Durante a administração anterior, vários integrantes do Pedala Jundiaí trabalharam num possível plano para ciclorrotas e ciclovias. Chegou-se até a promover um dia de ciclofaixa na avenida 9 de Julho. Foram muitas reuniões, projetos, conversas e estudos. Mas, na prática, nada.
O que percebi é que a burocracia não deixa o assunto avançar — mesmo que alguns dos responsáveis, como a então secretária de Planejamento e Meio Ambiente, Daniela da Camara, tivessem interesse no desenvolvimento do tema.
Um valor incontestável foi ter sido incluído o Plano Cicloviário no Plano Diretor. Isso garante, ao menos na lei, que algum dia a cidade terá um panorama mais ciclável.
Mas na real o que se vê é mais do mesmo, infelizmente.
Pois as pessoas querem e gostam de andar de bicicleta. Pra fazer isso muitos se arriscam a enfrentar uma Ferroviários disputando o perigoso espaço com automóveis. A Ferroviários é ótima, ou seria, para bicicletas, pois é plana, mas do jeito que está é terrível para quem pedala.
E o resultado nem sempre é alegre. Esta semana mais um ciclista morto por um motorista. E já foram tantos. Além de muitos acidentes e gente arrebentada.
A atual administração atendeu a um pedido dos ciclistas e colocou muitas faixas pedindo atenção dos motoristas. É importante, sem dúvida, mas na prática a disputa desigual continua a mesma. E os carros sempre vencem.
Eu sinceramente espero que o assunto venha a ser tratado de forma mais consciente. Jundiaí é uma cidade agradável de se viver. Tem muitas qualidades. Muitos parques, muitas praças, muitos locais onde é possível encontrar pessoas. Esses pontos conectados farão dela um lugar muito mais interessante e saudável.
É preciso pensar a conexão da cidade do ponto de vista de quem pedala. Mostrar que é possível conectar (através de ciclorrotas bem desenhadas e que ocupem espaços onde só a bicicleta pode passar) os parques e os lugares mais legais pra se estar.
Andar de bicicleta é pensar numa cidade humana e pras pessoas.
Eu, da minha parte, não tô a fim de esperar esse tal dia ideal onde a infraestrutura da cidade permita um pedalar seguro. Decidi, de novo, enfrentar a Jundiaí que existe hoje pedalando. Vou procurar fazer o que fiz sempre: tomar cuidado e andar pelos caminhos mais distantes dos automóveis.
Eu mesmo faço a minha rota.
Caso alguém aí dos ocupantes do poder queira saber como é possível fazer algo sem gastar milhões, pode ligar. Estou, como sempre estive, à disposição para contribuir com o que estiver ao meu alcance no desenvolvimento de uma infraestrutura mininamente segura para quem pedala.
Digo por mim, mas tenho certeza de que muitos outros que gostam de pedalar e trabalham por uma cidade mais segura para os ciclistas pensam da mesma maneira.