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Por Flavio Gut
Uma coisa comum de ouvir e ler a respeito de Hermeto Pascoal é que ele é um mago, um bruxo ou coisas do gênero.
Ouvir o som que Hermeto vem produzindo ao longo da vida dá uma pista de que este senhor não pode ser classificado ou rotulado.
Mas é ao conversar com ele que se tem a exata dimensão da conexão espiritual de Hermeto. É dessa conexão que ele traz a música. É divino.
Pude acompanhar o workshop dele no teatro do Sesc e no dia seguinda o show no ginásio, na abertura do Festival de Jazz & Blues.
Posso dizer, sem dúvida, de que esta foi uma das experiências mais importantes da minha vida. E digo isso porque a música está comigo desde que me conheço. Com uns seis os sete anos fiz uma guitarra com um estojo, um cabo de vassoura e alguns barbantes. Pouco tempo depois meus pais já estavam convencidos de que eu merecia um violão. E foi assim.
Pra mim a música sempre foi minha trilha sonora do mundo. Estudando, trabalhando (e nesses longos anos como jornalista) sempre sempre comigo. Nem tanto na técnica, que nunca fui lá muito de estudar, mas dentro do coração e da alma.
Tenho, no entanto, certa dificuldade para repetir sons, de tocar igual, de pensar a mesma música do mesmo jeito (por isso jazz & blues curto muito). E Hermeto veio e me deu a chave que faltava pra compreender essa coisa da música.
Minha pergunta de sempre: de onde é que vem isso?
“Eu nasci músico”, disse ele no workshop. Um dia até chegou a ir pro conservatório musical mas o professor disse a ele: “Não tenho nada pra te ensinar, você é que me ensina”.
Hermeto nasceu conectado ao lugar de onde a música vem. Alguns chamam de Deus, de divino, essas coisas. O fato é que vem do alto. Vem, chega pro músico e o músico toca.
Albino e com pouca visão, Hermeto desde cedo tinha dificuldade para aprender do jeito convencional (lendo, por exemplo), mas a facilidade vinha sempre. Ele queria aprender a tocar sanfona. Como poderia fazer isso se nem enxergava o instrumento direito?
“Eu sonhava. Sonhava com um cara tocando sanfona e aprendia com ele”. Num tem como não se emocionar ao ver esse senhor alagoano de 81 anos contando de seus tempos de criança, tempos que permanecem com ele.
No show e no workshop Hermeto contou das brincadeiras com o amigo Sivuca, outro que enxergava pouco e tocava muito, a alegria de deitar e ficar olhando as estrelas e histórias, muitas histórias.
Olhando estrelas ele aprendeu que nenhuma estrela é igual às outras. São semelhantes. Como são semelhantes, mas não iguais, os seres humanos. E por isso, cada um tem sua música, cada um tem seu som, seu jeito. Original de único.
E ele deixou e deixa fluir sua música.
Pra Hermeto, jazz, baião, xaxado são só jeitos de falar de música. Ele deixa fluir, ela vem. E quando o tema encontra a harmonia dá no que dá, esse som característico que pode ser um jazz baião bem brasileiro com sotaque americano. Ou sei lá.
Se alguém conseguir definir esse cara, me conte.
No show no Sesc ele tocou berrante. Teve outros em que tocou chaleira. E flauta, e piano, e mais um monte de coisas. E toca porque o som está dentro ele. Simples assim.
Mas o que me chamou ainda mais atenção foi a surpresa que tive com o Hermeto homem pessoa. Em certos momentos do workshop me perguntava: estou mesmo vendo um músico falar? Na real, tinha a impressão de estar ouvindo um daqueles gurus indianos falando de vida e espiritualidade.
Mas é isso mesmo.
A ligação é real. Mundo vida música espírito.