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O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos afirmou que a ascensão da política neoliberal em todo o mundo hoje se dá pela ausência de uma alternativa real à esquerda, o que permite que as elites instituam livremente projetos de destruição de direitos e não enfrentem a devida resistência. “Eles se comportam com a arrogância de quem não sente medo”, afirmou.
Em evento realizado no domingo (12) no Teatro Oficina, em São Paulo, pelo Vamos! – plataforma de debates da Frente Povo Sem Medo –, o sociólogo português disse que só foi possível o crescimento econômico combinado com redução das desigualdades sociais entre o fim da Segunda Guerra Mundial e as crises do petróleo da década de 1970, no mundo ocidental, devido à existência da União Soviética, que era a representação real de outro modelo que imputava medo aos capitalistas.
“Temos no mundo hoje muita gente que tem muito medo e pouca esperança. E um pequeno grupo de poderosos – os oito homens mais ricos, que têm tanta riqueza quanto a metade mais pobre do mundo – vê um futuro grandioso.” Segundo ele, não foi apenas a União Soviética que ruiu com a queda do muro de Berlim, em 1989, mas, junto com a URSS, caíram também a social-democracia e o socialismo democrático.
Sobre o Brasil, Boaventura questiona como foi possível “tanto retrocesso político e social” sem que houvesse forte resistência. Para ele, as reformas do governo Temer colocam em risco não apenas as conquistas sociais dos governos do PT, nos últimos 13 anos, mas também avanços que foram conquistados em mais de oito décadas.
Ele diz que um dos erros das esquerdas, principalmente na América Latina, foi desconsiderar que a luta anticapitalista deveria ser também anticolonial e antipatriarcal, pois as contradições que afetam as sociedades ocidentais não são apenas de classe, mas também se manifestam no racismo e no sexismo.
O sociólogo defendeu a participação das mulheres como força inovadora nas esquerdas, aos moldes do que ocorre em Portugal, com a chamada “geringonça“, que conseguiu superar as divergências entre socialistas, comunistas e o Bloco de Esquerda, com o protagonismo de lideranças políticas femininas e colocando o país como alternativa à agenda de austeridade, defendida pelas elites econômicas da União Europeia.
Outro exemplo, segundo Boaventura, foi a marcha do MTST até o Palácio dos Bandeirantes, que forçou o governo Alckmin a negociar. Segundo o sociólogo, negociaram “porque tiveram medo” dos milhares de sem-teto ali reunidos. Esse seria o modelo para a esquerda, de manter um pé na luta institucional e política, e o outro junto aos movimentos populares de base.
A geringonça portuguesa
O debate sobre os rumos da esquerda no mundo também contou com a participação, por vídeo-conferência, da política portuguesa Maria Matias, do Bloco de Esquerda, que deu mostras de que é possível grupos de esquerda superarem divergências de fundo ideológico para governarem juntos frente a uma ameaça maior, dando sustentação parlamentar ao governo do primeiro-ministro socialista Antônio Costa.
Ela diz que o que uniu a todos foi a elaboração de uma agenda centrada em questões essenciais, como a reversão da queda dos rendimento dos trabalhadores, o fim da política de austeridade defendida por Bruxelas e a manutenção do sistema público de seguridade social – as aposentadorias. “A soma dessas partes acabou sendo maior do que se tivesse havido uma coligação pré-eleitoral”, destacou Maria.
Com dois anos da geringonça, a chamada “máquina imperfeita”, Portugal deixou para trás um ciclo de empobrecimento, com quatro aumentos sucessivos do salário mínimo, a reposição dos cortes em aposentadorias e pensões antes impostas pela Troika – Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Central Europeu (BCE), dentre outras medidas, além da manutenção dos bancos públicos, frente a pressões privatistas.
“Houve, sobretudo, uma alteração profunda da política fiscal, no sentido de taxar mais o capital e aliviar os impostos sobre quem trabalha. Foi uma das mudanças mais profundas entre as medidas aprovadas”, sinalizou a política portuguesa.
Podemos
Já o deputado espanhol pelo Podemos Rafael Mayoral destacou os nomes dos presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump; da Argentina, Maurício Macri, e do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, para dizer que os milionários atualmente abriram mão da mediação com a classe política e decidiram tomar as rédeas do sistema político.
Ele afirmou que hoje a democracia se depaupera, em todo o mundo, porque, na sequência dos ataques neoliberais pela destruição dos direitos sociais, vem também os ataques aos direitos civis e políticos. Ele contou que, na Espanha, rappers são chamados aos tribunais para explicar o conteúdo de suas letras, pessoas são processadas por mensagens postadas pelo Twitter, e fotojornalistas são multados por registrar imagens incômodas aos detentores do poder.
Segundo ele, o modelo neoliberal, de destruição de direitos só pode parar em pé “na ponta da baioneta”, porque é, na sua origem, antagônico à democracia e a liberdade. “É preciso marcar isso a fogo”, para que nunca se esqueçam dessa incompatibilidade política, defendeu.
Frente a essas ameaças, Mayoral afirmou que as forças políticas de esquerda devem servir de ferramenta ao povo, e esse sim é que deverá definir os rumos a serem seguidos. Ele advogou a subversão do modelo que encara os partidos políticos como a “vanguarda” das forças progressistas. A postura defendida pelo Podemos, segundo ele, é que o partido assuma a retaguarda da luta, dando o apoio institucional aos movimentos populares.
O deputado também afirmou que diante das ameaças à democracia e à liberdade, é preciso fazer a defesa de um tesouro do século 20, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), documento capaz de congregar a luta por direitos como o acesso à saúde, educação e moradia.
Reportagem de Tiago Pereira, da RBA