Share This Article
John Araújo
Embora as cidades estejam sendo construídas pelos seres humanos, hoje, diferente da sua origem, elas não estão sendo construídas para as pessoas, mas para um modelo econômico e por isso sua principal norma de mobilidade é direcionada para o automóvel individual.
Na sétima edição do Fórum Mundial de Bicicleta, recentemente realizado em Lima, Peru, o historiador norte americano Peter Norton, em sua conferência magna, fez uma brilhante explicação de como este processo foi sendo moldado nos Estados Unidos da América. Ele também argumentou que o mesmo processo foi exportado para outros países.
Peter Norton explica este processo histórico baseado em uma divisão temporal em quatro paradigmas: Segurança em primeiro lugar (1900 – 1920); Controle (1920 – 1960); Segurança no Carro (1960 – 1980) e Responsabilidade (1980 até agora).
Peter Norton dividiu a história em paradigmas com o objetivo de explicar a implantação da “ditadura dos automóveis” e de como isto foi possível e de uma aceitação passiva pela sociedade. Sua discussão é centrada no conceito de segurança. Para ele em cada o momento o conceito de segurança mudou e moldou a construção das cidades.
O primeiro paradigma, segurança em primeiro lugar” correspondeu à introdução do automóvel na sociedade, momento este em que o pedestre ainda era valorizado e que os acidentes eram um problema dos automóveis. O pedestre era sempre considerado inocente.
O segundo paradigma, “controle”, supera o primeiro e nega a sua premissa de que o pedestre sempre tem razão. Passando a defender que as causas dos acidentes era a falta de regras que controlassem o trânsito. O foco mudou, deixamos de valorizar as pessoas para valorizar as regras. Nesta fase é que ocorre o surgimento dos códigos de trânsitos e novas leis são estabelecidas. Além das novas regras de trânsito, um novo desenho das ruas e avenidas é elaborado para um melhor controle e um tráfego seguro.
Com o aprofundamento deste processo, ou seja, novas regras e as novas vias, isto gerou um aumento de veículos circulando, o número de acidentes aumentou mais ainda e então surge um novo paradigma: “segurança no carro”. Nesta fase passou-se a admitir que os acidentes são inevitáveis, então, devemos criar mecanismos em que os veículos sejam mais seguros. Neste período surgiram o cinto de segurança e os airbags, os chamados sistemas de restrição dos condutores. Também ocorre aí uma maior segregação entre os veículos e os pedestres.
O quarto paradigma, “responsabilidade”, não negou o paradigma anterior em sua totalidade, mas trouxe de volta a responsabilidade para o condutor sobre os acidentes. Nesta fase surgem os sistemas de segurança automáticos, tais como o cinto de segurança automático e a obrigatoriedade de airbags em todos os veículos, além de novas regras de limites de velocidades. Porém, não há um retorno à concepção de que o importante são as pessoas, como os pedestres.
Considerando este modelo explicativo do Peter Norton, fica muito claro como as cidades foram evoluindo para os veículos e não para as pessoas. Agora, principalmente com o movimento cicloativista bem organizado é possível recuperamos as nossas cidades e que este movimento seja para as pessoas. Ou seja, precisamos entrar em uma nova fase, com um novo paradigma que negue os paradigmas anteriores baseados no automóvel individual.
John Fontenele Araújo – Formado em Medicina (UFPI), doutor em Neurociência e Comportamento (USP), professor titular de Neurociência na UFRN e pesquisador do CNPq; Conselheiro Regional da UCB pela Região Nordeste e associado da ACIRN (Associação dos Ciclistas do Rio Grande do Norte)
Este texto foi composto para o Edital 01/2018 “Você no FM7” promovido pela UCB – União de Ciclistas do Brasil e financiado pelo Banco Itaú como resultado da participação do/a autor/a no 7º Fórum Mundial da Bicicleta (Lima/Peru – 22-26/02/2017). Publicado originalmente no site da União de Ciclistas.