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A primeira conferência das Nações Unidas a focar as mudanças climáticas aconteceu em Estocolmo, na Suécia, em 1972. Ao final do encontro foi elaborada uma Declaração com 19 princípios que representam um Manifesto Ambiental para nosso tempo.
“Defender e melhorar o meio ambiente para as atuais e futuras gerações se tornou uma meta fundamental para a humanidade.”
Trechos da Declaração da Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente (Estocolmo, 1972), parágrafo 6
Portanto, pensar o ambiente Terra para as futuras gerações não é alguma coisa nova, algo que começou com a jovem ativista Greta Thunberg.
O nascer da Terra
Em 1969, a primeira foto da Terra vista do espaço tocou o coração da humanidade com a sua beleza e simplicidade. E, pela primeira vez, pudemos ver que vivemos em uma pequena bola azul no espaço. Nascer da Terra (em inglês, Earthrise) é o nome dado à fotografia AS8-14-2383HR da NASA tirada por William Anders durante a missão Apollo 8. É a foto que abre o artigo.
A linda canção Terra, de Caetano Veloso, fala desse momento na história da Humanidade.
“Ver pela primeira vez este grande mar azul em uma imensa galáxia chamou a atenção de muitos para o fato de que vivemos em uma única Terra – um ecossistema frágil e interdependente. E a responsabilidade de proteger a saúde e o bem-estar desse ecossistema começou a surgir na consciência coletiva do mundo”, diz o texto no site da Nações Unidas.
Portanto, quando falamos de Crise Climática, ou Emergência Climática, estamos falando de algo que há muito tempo algumas pessoas conhecem. Especialmente cientistas, estudiosos, ambientalistas. Gente que dedica a vida a estudar fenômenos da Natureza.
É preciso ampliar a visão
Se não é novidade, se está mais do que comprovada a ação de homem na destruição do frágil ecossistema Terra, o que falta então para uma tomada de atitude efetiva? Uma verdadeira transformação da forma de viver e agir? Consciência.
A transformação só vem pela consciência. É preciso ampliar a visão. Perceber o que existe mais além.
Diz outra canção de Ronaldo Bastos e Beto Guedes, Sol de Primavera.
A lição sabemos de cor
Só nos resta aprender
Mas não é algo simples. Pois existe um jogo de forças. As mesmas forças que já estavam em ação quando Rachel Carson escreveu A Primavera Silenciosa (Silent Spring), em 1962.
No livro, Carson documenta os efeitos ambientais adversos causados pelo uso indiscriminado de pesticidas, o que hoje chamamos de agrotóxicos. Carson acusou a indústria química de espalhar desinformação e os funcionários públicos de aceitarem as alegações de marketing da indústria sem questionar.
Isso em 1962.
Portanto, não há como alegar falta de informação, não é?
A cientista e ativista ambiental Vandana Shiva explica em suas muitas e muitas ações, como surgiu a indústria dos pesticidas.
Desde 1984 que me dedico à indústria química, que veio dos laboratórios de Hitler e dos campos de concentração, e que nos trouxe os gases venenosos, e depois uma agricultura química e a chamada Revolução Verde.
Agora, imagine essa gigantesca máquina de fazer dinheiro operando para justificar suas ações. Agora, imagine mais, essa máquina de marketing atuando em um mundo hiperconectado como hoje, com ferramentas de Inteligência Artificial capazes de identificar qualquer movimento digital seu?
Pois esta máquina está em ação com o objetivo de manipular, dispersar, e tirar o foco da questão principal. Aí surgem terraplanistas, movimentos anti-vacina, anti-ciência, anti-cultura e anti todos os reais valores humanos.
Um discurso que tem por objetivo deixar tudo um “nós contra eles”, um “mal contra o bem”, o “errado contra o certo”. E assim desacreditar qualquer fonte confiável de informação enquanto os reais detentores do poder avançam sistematicamente contra a Natureza e as conquistas sociais.
Sair da Matrix exige algum esforço. Muitos não estão dispostos a isso. Para alguns tantos é melhor acreditar em uma mentira tranquilizadora do que numa verdade inconveniente.
Esta semana, Mario Mantovani, diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, compartilhou uma reportagem assustadoramente interessante.
Nela o jornalista Alceu Luís Castilho, do site De Olho Nos Ruralistas, explica:
Não é a pobreza que desmata, é a riqueza
Castilho, entrevistado pelo programa Ambiente É o Meio afirma que o capital nacional e o internacional assina o desmatamento na Amazônia.
Sua afirmação tem como base um levantamento das multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) nos últimos 25 anos.
“Para o senso comum, os maiores desmatadores são madeireiros, garimpeiros e coronéis que vivem na região, quando, na verdade, é o capital nacional e internacional que assina o desmatamento na Amazônia”.
Esse é o caso Amazônico, de proporções igualmente amazônicas. Mas o próprio Mário Mantovani e a Fundação SOS Mata Atlântica, umas das organizações não governamentais mais atuantes do País, têm grande problemas a enfrentar na área.
No manifesto “Continuam Tirando o Verde da Nossa Terra“, a SOS Mata Atlântica alerta para o que considera ser o maior atentado contra o bioma e os patrimônios ambientais do Brasil.
Está na Casa Civil da Presidência da República uma minuta de decreto que altera os limites do domínio da Mata Atlântica, reduzindo seu tamanho e abrangência em mais de 10% do seu território. Isso representa a perda de 110 mil km2 do bioma.
Que sentido pode fazer isso? Reduzir a área de um ecossistema já há muito fragilizado?
Siga o dinheiro, como diriam os americanos.
O desmonte das políticas públicas
Reduzir áreas de florestas, avançar sobre ecossistemas frágeis, destruir rico patrimônio ambiental tem sido regra do capital inescrupuloso. Não quer dizer que todos os empresários ou empresas atuem da mesma forma.
Mas quer dizer que um número significativo de detentores do poder trabalham para manter esse poder, não importando se isso leva ao desequilíbrio planetário. Ou a consequências para futuras gerações. E o impacto geral dessa ação é a Emergência Climática que estamos vivendo.
A pequena bola azul onde estamos recebe os impactos da ação destrutiva.
Conversei esta semana com o arquiteto e ambientalista Clayton Ferreira Lino, presidente do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, ligado ao programa Homem e Biosfera da Unesco. Ele olha o momento com perplexidade:
Estamos vendo um desmonte das políticas públicas de preservação e conservação ambiental.
Um desmonte que abre portas para que áreas sejam destruídas, multas não sejam aplicadas, fiscalização não seja feita. E assim, aquela mesma ação denunciada em Primavera Silenciosa lá no distante 1962 continue e ameaçar a Humanidade.
São ações obviamente interligadas. Nada é por acaso.
Como já escrevi em outros artigos, quando Vandana Shiva conheceu Greta Thunberg em Paris. a jovem ativista sueca pretendia organizar uma viagem para a Amazônia com objetivo de salvar a floresta.
A experiente Shiva então aconselhou:
Vocês não precisam ir para a Amazônia porque as pessoas que estão a destruí-la estão aqui mesmo, na Europa. É a Bayer, a Monsanto que estão a cultivar soja transgênica e tudo o que precisam fazer é parar essas pessoas e a Amazônia será salva.
Está tudo interligado
Portanto, é preciso perceber, de verdade, que está tudo interligado. Destruição ambiental não vem do nada. Ela é causada por um modelo de sociedade onde o principal valor não é o ser humano e sim o capital.
E esse capital age sempre com base em dois princípios: poder e dinheiro.
A consequência é o que podemos ver hoje no Brasil e no mundo todo: enquanto muitos são bombardeados por informações desencontradas, ou falsas, ou criadas apenas para confundir, perdendo assim a capacidade de perceber a realidade, alguns poucos avançam para dominar e destruir recursos naturais e conquistas sociais em nome do mesmo poder e dinheiro de sempre.
Um pensamento de extrema pobreza
Trocar a majestosa floresta por um campo de monocultura produtora de soja para exportação? Faz sentido para quem? Toda a riqueza da Natureza trocada por dinheiro? E quem ganha com isso?
É por isso que a verdadeira transformação só pode vir pela consciência. E se conscientizar é um ato individual, único. Depende de cada um, de esforço próprio.
Aos poucos ela vem chegando para mais e mais pessoas. Esses tempos de quarentena (para alguns) são tempos de refletir.
Quando se pensa bicicleta, comida orgânica produzida localmente, energia solar e eólica, maior integração entre as pessoas, já estamos vislumbrando uma mundo mais próximo das necessidades humanas.
Enfim, basta querer e se ligar. Um mais um é sempre mais que dois.