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Escrevo no nascer do dia 21 de junho, dia de eclipse. Lua Nova. Ontem, Solstício de Inverno. Agora, 5h30 da manhã, 16 graus. Nos meus fones uma velha canção de John Lennon & Paul McCartney na icônica apresentação de Joe Cocker em Woodstock — 1969.
With a Little Help From My Friends
Nas redes sociais a informação de que 50 mil pessoas já morreram em consequência do coronavírus no Brasil. 50 mil amigos de alguém. 50 mil filhos, pais e mães e avós e amigos da padaria, tiozinhos, meninas e meninos. 50 mil.
Quem se importa, verdadeiramente?
Quem nos importa, de verdade?
Quem são nossos amigos presentes que podem nos trazer a pequena ajuda que às vezes precisamos? Quem são os amigos para os quais estamos dispostos a levar algum socorro?
Digo verdadeiramente porque não estou falando de convenções sociais ou obrigações. Estou falando de sinceridade no coração. Quem realmente merece nossa atenção?
O isolamento social, pra quem consegue fazer isso, mostra uma realidade de mais interiorização — pelo menos pra mim. Sinto um aprofundamento da conexão comigo mesmo. E, por outro lado, sinto uma transformação das conexões com outras pessoas.
Com o passar dos dias, percebo que essas conexões energéticas vão se modificando.
Talvez seja apenas minha percepção, eu que de certa forma vivo já um pouco fora da caixa. Mas, quem sabe, eu esteja também percebendo o que acontece com outras pessoas.
O que sinto é que o período de pandemia me faz (nos faz?) refletir a respeito da importância das coisas. E, como diz uma frase que gosto um tanto, as coisas mais importantes da vida não são coisas.
E indo um tantinho mais além, dessas coisas que não são coisas e são importantes, quais delas mesmo são verdadeiramente importantes?
Com a facilidade das redes sociais é simples ter muitos contatos. Saber de muita coisa.
Gente que nasce e morre e morre e nasce. O filho do conhecido distante crescendo feliz, a viagem incrível daquela pessoa que uma vez pediu pra ser seu amigo no Face, o novo trabalho no Linkedin daquele cara que trabalhou com você há 20 anos sei lá onde.
Um tanto de informações.
Quais delas realmente relevantes?
Quem dessas pessoas se faz de verdade presente em nossas vidas?
Se for pensar são poucas as pessoas para quem abrimos nossa casa e nosso pensamento e coração. Poucos. Amigos mesmo são menos ainda. Amigos dispostos a dar uma ajuda são ainda mais raros.
Não tenho qualquer reclamação quando a isso. Sou imensamente grato pelos amigos que tenho. Mas observo, como diria Venâncio Furtado na canção Esetnis.
Observo a intimidade superficial de contatos via redes. A ilusória sensação de que somos mais próximos de alguém do que realmente somos.
E aí, tudo bem? Como está você?
Estamos mesmo querendo saber ou é apenas uma conversa para não ficar sozinho?
Algumas vezes me lembra outra canção, Sinal Fechado, de Chico Buarque
Olá, como vai?
Eu vou indo, e você, tudo bem?
Tudo bem, eu vou indo correndo
Pegar meu lugar no futuro, e você?
Tudo bem, eu vou indo em busca
De um sono tranquilo, quem sabe?
Por favor não esqueça, diz a canção e o sinal se abre e a vida segue e adeus.
Triste?
A canção é absolutamente triste e dramaticamente real. Eu não. Mas observo.
Nesses tempos de pandemia sinto um silêncio incômodo. Sorrisos amarelados. Frases não ditas. Nesses tempos de Brasil carcomido pela falta de um mínimo de humanidade, muitos que tanto falaram agora se calam diante da tragédia da qual também são responsáveis.
E entre esses muitos há alguns outrora próximos.
Não mais.
Algo se perdeu. Se quebrou, está se quebrando.