Os adolescentes brasileiros estão rejeitando o modelo tradicional de trabalho formal, representado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), segundo a pedagoga e neurocientista Andrea Deis, especialista em carreiras.
Em entrevista no programa Ação e Informação da Rádio Cidade, conduzida pelo jornalista Ademilson de Oliveira, ela analisou o fenômeno revelado em uma reportagem do portal de informações UOL publicada em 13 de março, intitulada “Era sonho, virou ofensa: por que os jovens têm medo de ser CLT”.
O texto aponta que a carteira assinada, antes vista como símbolo de estabilidade, passou a ser associada por alguns jovens a rigidez e pobreza, enquanto o empreendedorismo ganha destaque.
Deis afirmou que adolescentes entre 12 e 17 anos, influenciados por redes sociais e discursos de figuras públicas, estão redefinindo suas referências de sucesso.
“Eles buscam padrões e ídolos, mas quem são essas referências e que percentual da população elas representam?”, questionou.
A reportagem do UOL citou frases de jovens como: “Para ser pobre, estude, faça faculdade e arrume um bom emprego; para ser rico, faça o contrário”.
Para a especialista, isso reflete uma mudança cultural que desafia o valor histórico da CLT, instituída em 1943 para garantir direitos como salário mínimo e assistência médica.
A entrevistada destacou uma percepção recorrente entre os adolescentes: “Carteira assinada é coisa de pobre”.
“Quem está alimentando essa visão, sobretudo em um país onde essas proteções garantem dignidade básica?”, perguntou Deis.
Ela relatou o caso de seu filho de 18 anos, empreendedor desde os 14, que rejeita horários fixos e hierarquias tradicionais.
“Ele me disse: ‘Por que acordar cedo ou ter um chefe mandando? Podemos conseguir o que precisamos sem isso’”, contou.
Oliveira trouxe um exemplo pessoal: um jovem contratado para seu comércio familiar, trabalhando como freelancer, encerrou o expediente às 16h exatas, independentemente de concluir as tarefas.
“É uma mentalidade diferente”, observou.
Deis atribuiu essa postura à insatisfação com estruturas corporativas rígidas e lideranças ultrapassadas. “Eles olham para a experiência dos pais e decidem o que estão dispostos a aceitar”, explicou.
A especialista alertou para os impactos dessa tendência.
“Setores como indústria, varejo e serviços, que já enfrentam escassez de mão de obra, podem ter problemas em sete ou dez anos”, disse.
Estudos da Fundação Getulio Vargas (FGV), citados por ela, indicam que empresas precisarão se adaptar para evitar custos elevados e queda na produtividade.
Deis apontou ainda que questões como burnout e desmotivação agravam o cenário, com jovens priorizando autonomia em vez de ambição tradicional.
Sobre como atrair essa geração, Deis sugeriu que as empresas ofereçam “significado, reconhecimento diário e liberdade”.
“Eles só dão o melhor se sentem valorizados desde o início”, afirmou.
Ela também expressou preocupação com o aumento da informalidade, que pode reduzir a arrecadação de impostos e afetar políticas sociais. “Sem mudanças nas leis trabalhistas, teremos rupturas, não evolução”, previu.
Apesar dos desafios, Deis defendeu adaptações no modelo atual em vez de sua eliminação.
“É sobre flexibilidade, não confronto, especialmente em países como o Brasil, onde a CLT ainda protege muitos”, disse.
Ademilson de Oliveira complementou: “Décadas de conquistas trabalhistas podem ser comprometidas se não houver ajustes”. A discussão, segundo ambos, reflete uma geração que já está moldando o mercado de trabalho.
O programa Ação e Informação– vai ao ar de segunda a sexta-feira das 7 as 10h30, na Rádio Cidade.