Com essa pergunta afiada, o filósofo indígena Ailton Krenak sacudiu a plateia do Sesc Jundiaí na noite de sexta-feira, 21 de março de 2025.
Em uma palestra marcada por reflexões profundas e críticas ao modelo civilizatório ocidental, Krenak desafiou o público a repensar a relação da humanidade com a Terra e consigo mesma.
Realizado como parte de uma programação Ecos da Floresta, que abordou as emergências climáticas, o evento reuniu ouvintes atentos para ouvir uma voz que, há décadas, ecoa a urgência de um retorno ao essencial.
Mas por que ele chama a humanidade de “boba”? E o que isso revela sobre o mundo que construímos?

Quem é Ailton Krenak?
Ailton Krenak, nascido em 1953 no Vale do Rio Doce, Minas Gerais, é uma das vozes mais potentes do pensamento indígena brasileiro.
Líder do povo Krenak, ele se tornou conhecido nos anos 1980 ao pintar o rosto com jenipapo durante um discurso na Assembleia Constituinte, em defesa dos direitos indígenas na Constituição de 1988.
Escritor, filósofo, Krenak é autor de obras como Ideias para Adiar o Fim do Mundo (2019) e A Vida Não é Útil (2020), que misturam crítica à civilização ocidental com reflexões sobre a relação entre humanidade e natureza.
Fundador da União das Nações Indígenas e reconhecido internacionalmente, ele combina sabedoria ancestral com um olhar afiado sobre os desafios do presente.
O diagnóstico da crise
Ailton Krenak não poupou palavras ao diagnosticar o colapso em que estamos imersos. Para ele, o capitalismo funciona como um “acelerador de partículas”, uma força que propeliu a humanidade a uma velocidade insustentável, marcada pela produção desenfreada de mercadorias e pela “monocultura do sonho”.
“O capitalismo, a gente finalmente alcançou a religião global, que nos afeta sensivelmente até quando dormimos”, disparou. Ele criticou a obsessão por bugigangas tecnológicas e o consumo que nos afasta do essencial, apontando as mudanças climáticas como sintomas de um sistema que devora o planeta.
“Se a gente não pode mudar o planeta, nós estamos encomendando a nossa extinção”, alertou, desenhando um cenário em que o progresso, tal como o conhecemos, é um “exterminador de futuros”.
A proposta do “Somente o Necessário”
Em contraponto ao excesso, Krenak trouxe uma ideia simples, mas revolucionária: “somente o necessário”. Inspirado na canção “Somente o Necessário” (The Bare Necessities), do filme Mogli: O Menino Lobo, cantada pelo urso Balu, ele convidou o público a refletir:
“Será que a gente consegue fazer uma pequena lista do que é extraordinário?”
Para o filósofo, a Terra é um organismo vivo, não uma “plataforma plástica” a ser moldada à vontade humana. “A Terra não é um produto plástico, é um organismo vivo e tem seu próprio agenciamento”, afirmou.
Essa visão biocêntrica contrasta com a lógica extrativista e sugere que a simplicidade dos povos tradicionais, que vivem nos “ciclos do necessário”, pode ser um caminho para evitar o colapso.
É nesse contexto que surge a provocação sobre a “humanidade boba”. Ao discutir a perda de conexão com necessidades básicas, Krenak ironizou:
“Será que somos um organismo tão bobo que alguém tem que mandar a gente beber água?” A frase, dita com um misto de humor e crítica, reflete sua visão de uma espécie que, ao se enredar em sistemas artificiais, esqueceu até mesmo de atender instintivamente ao que a mantém viva.
Para ele, essa “bobice” é o preço da alienação promovida pelo excesso e pela dependência de uma civilização que nos infantiliza.
A relevância dos saberes indígenas
Krenak não apenas apontou o problema, mas também indicou uma saída: os saberes dos povos indígenas.
Ele destacou que cerca de 400 milhões de pessoas no mundo, vivendo em vínculo profundo com suas ancestralidades, oferecem alternativas ao modelo dominante.
“Esses povos, com seus saberes e modos de habitar o mundo, podem nos ajudar a consertar esse estrago danado em que estamos metidos?”, perguntou.
Longe de romantizar, ele posicionou essas práticas como uma resposta prática à crise, um contraponto à superficialidade do progresso que destrói rios e florestas em nome do desenvolvimento.
Um convite à esperança
Apesar do tom apocalíptico, Krenak plantou sementes de esperança.
Ele conectou a crise ambiental a uma “pandemia de sofrimento mental”, diagnosticada pela Organização Mundial da Saúde, mas insistiu que reconhecer nossa interdependência com a Terra pode abrir novos caminhos.
“Como manter a esperança de um mundo melhor e como aplicar se realmente site considerando as diversas questões que esse mundo está passando?”, deixou no ar, como um desafio ao público.
Não há respostas prontas em suas palavras, mas um convite à ação coletiva e à reflexão: menos extraordinário, mais necessário.
A palestra de Ailton Krenak no Sesc Jundiaí foi um grito contra a “bobice” de uma humanidade que se perdeu no excesso e um chamado para voltar ao que realmente importa.
Resta saber se aceitaremos o convite – ou se continuaremos precisando que alguém nos diga quando beber água.