Em um momento em que o crescimento urbano e a preservação ambiental se tornam desafios cada vez mais urgentes, Jundiaí, conhecida como a “Terra da Uva” e parte da região metropolitana que leva seu nome, busca um caminho de equilíbrio.
Em entrevista no gabinete da Unidade de Gestão de Planejamento Urbano e Meio Ambiente, o arquiteto e urbanista André Ferrazzo, gestor da pasta desde 1º de janeiro deste ano, detalhou as estratégias da administração municipal para conciliar o desenvolvimento da cidade com a proteção de suas riquezas naturais, como a Serra do Japi, e atender às demandas de uma população em expansão.
Da janela de sua sala, no quinto andar do Paço Municipal, Ferrazzo observa a parte mais antiga da cidade e questiona: “Por que o Centro, com toda sua infraestrutura, tem tão poucos prédios em construção?”
A pergunta sintetiza a essência de sua gestão: concentrar o crescimento na região central para conter a expansão desordenada e preservar o “cinturão verde” que protege a cidade.
Ferrazzo tem o hábito de presentear vereadores e visitantes de seu gabinete com exemplares de Cidade Caminhável (1) do urbanista americano Jeff Speck. Um livro que reflete seu pensamento sobre o planejamento urbano da cidade.
Na obra, Speck defende que “ruas boas são aquelas onde as crianças podem brincar com segurança e os idosos conseguem atravessar sem medo” — conceito que Ferrazzo abraça:
“Queremos que as pessoas voltem a caminhar, a ocupar os espaços públicos. Isso é qualidade de vida real.”
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Na entrevista, Ferrazzo destacou a importância do Plano Diretor como ferramenta central para esse equilíbrio.
“Existe uma divisão clara entre macrozonas rurais e urbanas. Na zona urbana, incentivamos o adensamento com critérios, enquanto na zona rural especificamos áreas de proteção hídrica e conservação ambiental, como a Serra do Japi”, explicou.
Segundo ele, o objetivo é conter a expansão territorial urbana para preservar o “cinturão verde”, essencial para regular o clima e proteger a fauna e a flora locais.
Desafios regionais e soluções locais
O gestor reconheceu, no entanto, que o desafio transcende os limites municipais.
“Jundiaí não trabalha mais sozinha. Precisamos olhar para a região metropolitana, que engloba sete cidades, e alinhar políticas com nossos vizinhos”, afirmou.
Ele alertou que, sem uma visão integrada, esforços locais podem ser comprometidos por decisões conflitantes em cidades vizinhas, como a instalação de zonas industriais ou residenciais de alta densidade em áreas limítrofes ao cinturão verde.
Dentro do perímetro urbano, Ferrazzo aposta no aumento da densidade populacional em áreas já estruturadas, como o centro da cidade, para evitar a ocupação desordenada de regiões periféricas.
“Temos cinco zoneamentos na macrozona urbana, com parâmetros definidos no Plano Diretor que regulam altura e ocupação. Mas não há intenção imediata de alterar esse plano sem antes entender a fundo para onde a cidade deve crescer”, disse, enfatizando a importância de decisões baseadas em dados.
Um exemplo concreto dessa abordagem é o plano de bairro do Medeiros, um dos de maior crescimento em Jundiaí. A Unidade Gestora iniciou uma análise detalhada do bairro, que inclui visitas a escolas, entrevistas com moradores e cruzamento de dados do IBGE.
“Queremos entender quem vive lá, suas expectativas e necessidades, para planejar ações específicas”, explicou Ferrazzo. Entre as prioridades estão a conexão do Medeiros ao Distrito Industrial, com alças sobre a rodovia e vias locais que melhorem a mobilidade sem depender exclusivamente de carros.

Repovoando o Centro e mobilidade sustentável
A revitalização do centro de Jundiaí também está no radar. Ferrazzo, que já morou na região e nutre um apego pessoal por ela, lamenta o esvaziamento observado nos últimos anos — um fenômeno não exclusivo da cidade, mas comum a centros urbanos no Brasil e no mundo.
“O centro precisa voltar a ter vida, ser um bairro onde as pessoas morem e frequentem”, defendeu. Ele aposta em parcerias com a iniciativa privada para requalificar vazios urbanos e atrair o mercado imobiliário, oferecendo opções de moradia que dispensem o uso do carro, com acesso fácil ao comércio e ao transporte público.
A mobilidade é outro pilar essencial. Embora Jundiaí tenha um raio de apenas 10 quilômetros a partir do centro — o que a torna ideal para deslocamentos curtos —, a ausência de uma rede de ciclovias integrada ainda é uma barreira.
Ferrazzo, ciclista assíduo que às vezes vai de bicicleta ao trabalho, reconhece a dificuldade. “Temos trechos de ciclovias desconectados, mas estamos trabalhando para uni-los. É um processo gradual”, afirmou.
Ele citou planos para incluir ciclovias em novos projetos, como o trecho perto do aeroporto, e a instalação de paraciclos em equipamentos públicos para incentivar o uso da bicicleta no dia a dia, além do lazer e do esporte, já tradicionais na cidade.
No transporte público, a meta é torná-lo mais eficiente.
“Não faz sentido o ônibus competir com o carro no mesmo trânsito”, disse, sinalizando estudos em parceria com a Unidade de Gestão de Mobilidade e Transportes para avaliar faixas exclusivas e um possível sistema de BRT (Bus Rapid Transit).
Contudo, ele ponderou que a queda no uso do ônibus, o aumento das motos e dos aplicativos de transporte exigem uma reestruturação gradual do sistema.
Água e sustentabilidade: o futuro em jogo
A preservação dos recursos hídricos foi apontada como “a pergunta do milhão”.
Com previsões que indicam um possível crescimento populacional para até 700 mil habitantes em algumas décadas — embora Ferrazzo questione a precisão desses números —, garantir água para todos é uma prioridade.
“Dependemos da natureza, mas podemos agir na redução de perdas na rede, no uso racional e na busca por novas fontes”, afirmou.
Ele destacou iniciativas como o programa IPTU Verde, que premiará com descontos imóveis que adotem medidas sustentáveis, como captação de água da chuva, e os “jardins de chuva”, áreas verdes que favorecem a infiltração do solo e reduzem o impacto das chuvas nos rios.
Ferrazzo também enfatizou a importância de soluções baseadas na natureza, como alternativa às grandes obras de engenharia, como piscinões.
“Precisamos equilibrar ações cinzentas, como tubulações, com ações verdes, como quintais permeáveis e menos impermeabilização”, disse, alertando para os efeitos cumulativos de ações individuais, como quintais concretados, nas enchentes urbanas.
Uma cidade caminhável e inclusiva
Inspirado no conceito de “cidade dos 15 minutos”, em que tudo o que o morador precisa está a uma curta caminhada, Ferrazzo quer fomentar a “caminhabilidade”.
“Temos que criar centralidades nos bairros, para que as pessoas não precisem se deslocar longas distâncias”, explicou.
Ele citou o calçadão do centro, uma das primeiras iniciativas do tipo no Brasil, como exemplo de sucesso histórico, e sugeriu a possibilidade de novas ruas compartilhadas ou exclusivas para pedestres, desde que bem planejadas e dialogadas com a população e os comerciantes.
O gestor finalizou com uma mensagem otimista:
“Quero que minhas filhas e todos os jundiaienses possam viver aqui com qualidade de vida, locomovendo-se como preferirem — a pé, de bicicleta, de ônibus ou de carro.”
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- Cidade Caminhável é uma obra do urbanista norte-americano Jeff Speck que explora a importância da caminhabilidade para a vitalidade das cidades. Publicado originalmente em 2012 e traduzido no Brasil, o livro argumenta que priorizar o pedestre – o “cidadão a pé” – é essencial para revitalizar centros urbanos, promovendo integração social, econômica e cultural.