Um parecer encomendado a seis economistas de São Paulo contra o projeto de lei elaborado ao longo de dois anos e meio de trabalho de 80 técnicos municipais de Jundiaí, embasado em 11 mil participações e com 102 delegados nas discussões de seu formato final, merece ser comentado. Mas por suas falhas, não por desrespeito ao importante (mas não único na cidade) setor de empresários.
1) O trabalho foi encomendado em dezembro de 2015, diante da primeira versão do anteprojeto de lei que foi discutido em janeiro e fevereiro de 2016 por 102 delegados de segmentos como moradores, empresários urbanos e rurais, entidades profissionais e de pesquisa, organizações não-governamentais e técnicos do setor público.
O conteúdo inicial foi bastante modificado em uma intensa rodada de reuniões de consenso, reuniões de diálogo de conflitos e finalmente no Congresso da Cidade, em março.
2) A introdução do parecer alerta que o mesmo foi realizado sem verificação independente de dados apresentados pelos contratantes do parecer, o que ao lado da questão exposta acima (de uso de uma versão ainda não elaborada do próprio plano) significa que se deve relativizar as conclusões elaboradas.
3) O foco integralmente na formação setorial de economistas exclui a diversidade de olhares que marcou de maneira inédita a preparação do Plano Diretor Participativo ao longo de dois anos e quatro meses, com seus doze objetivos estratégicos definidos a partir de mais de 10 mil participantes da consulta em 2014 e 2015 e de outras centenas em 2015, além dos delegados nas discussões de 2015 e 2016, em um processo multissetorial com múltiplos estudos temáticos.
Pontos principais
A análise encomendada sobre a proposta ainda bruta do Plano Diretor Participativo, em dezembro, fala de risco de “perda de competitividade da cidade” adotada pelo discurso contrário ao projeto para criticar exatamente a defesa das condições que colocaram Jundiaí como uma das cidades mais desenvolvidas do país. Vejamos:
* O parecer aponta que a ênfase da proposta o desenvolvimento agrícola, usando o argumento de que representa menos de 1% do PIB e dos empregos do município. É um equívoco. A ênfase da proposta é o conceito de “cidade compacta” com aproveitamento da infraestrutura existente e conservação das áreas ambientalmente frágeis e de produção de água usando a zona rural ao norte e ao sul dessa área urbana como mitigação dos impactos. Por isso estimula usos como a agricultura, o turismo e a prestação de serviços ambientais.
* O fala em limitações para novos galpões industriais e logísticos. É um equívoco. A área disponível para essa atividade no município passou de 8% para 9% no novo plano, mas de forma mais organizada dentro do território. Fora isso, o próprio parecer elogia fatores voltados para a preservação do desenvolvimento local de algumas medidas recentes como a Incubadora Tecnológica (renovação da anterior, de empresas, e precursora para o parque tecnológico), o Desenvolve Jundiaí e o Emprega Mais.
* O parecer afirma ser um risco de encarecimento de imóveis a concentração de prédios verticais ao longo de corredores centrais em algumas avenidas. Também é um equívoco, pois a proposta inicial foi flexibilizada nos trabalhos de consenso, conflitos e votação entre janeiro e março com a inclusão de vias estruturais e patamares intermediários entre os corredores centrais e as vias locais de acesso aos lotes, mantendo a concepção geral de reorganização contra o crescimento desordenado.
* O parecer aponta como desnecessárias novas preocupações ambientais em Jundiaí, citando a lei estadual que torna o município inteiro uma Área de Proteção Ambiental (APA). Outro equívoco porque omite que o zoneamento proposto pela revisão de 2012 do Plano Diretor conflitou exatamente essa legislação ao ampliar loteamentos na bacia do rio Jundiaí-Mirim.
* O parecer aponta a perda de crescimento de moradias no vetor oeste, onde estão muitos empregos do parque industrial, com o controle de tamanho de construções na área urbana do Medeiros (periurbana) como transição entre a zona de expansão urbana e a zona da Serra do Japi e Ribeirão Caxambu-Cachoeira. É um exagero, porque o conceito do vetor oeste acontece sobretudo nas grandes áreas da região do Fazenda Grande e Almerinda Chaves, ainda capazes de milhares de moradias.
* O parecer nem cita pesquisas sobre o patamar de 450 mil visitantes anuais que passam pelo município de Jundiaí, dinamizando a cadeia de turismo e associados que pode alcançar até 8% dos empregos e não 0,3% estritamente agrícolas.
* O parecer, da escola ortodoxa da economia, não cita externalidades não mensuráveis como a produção de água garantida pela permeabilidade prevista para o futuro da economia da cidade.
* O parecer também não cita o valor agregado para a economia do comércio, da indústria, do setor imobiliário e para a cidade como um todo de suas “marcas” institucionais como a Serra do Japi, a Terra da Uva ou os 360 anos. Mesmo com o próprio mercado usando esse mesmo valor agregado na explosão imobiliária desde 2005 como chamariz para investidores paulistanos. Sem ofensas a outras cidades, mas fazem o diferencial de Jundiaí com Osasco ou Guarulhos, por exemplo.
* O parecer aponta riscos de “elitização” e de “expulsão de moradores” com o novo plano. Mas esses fenômenos estão ocorrendo há vários anos e pelo menos 10% da população local vive em condições precárias. O que faz o novo plano é criar mecanismos para estimular o uso de 12 mil imóveis vazios ou desocupados na área urbana, de parceria público-privada e zonas especiais de interesse social, garantindo a diversidade de habitantes e a conservação de jundiaienses na própria cidade.
* O parecer aponta entre as áreas rurais que podem causar riscos para a cidade o bairro do Poste. É outro equívoco. O setor já foi modificado nos debates de janeiro-março para periurbano, com parte industrial…
* O parecer diz que o atual Plano Diretor de 2012 é uma “continuidade” do plano de 2004. Parece estranho. Todos os planos foram feitos a partir do original de 1969, mas as revisões recentes “estouraram” sem necessidade a expansão desproporcional da área urbana autorizando loteamentos sobre a zona rural. Como renovação de fato, o atual projeto do Plano Diretor Participativo exigiu o cuidado do longo tempo de dois anos de estudos e elaboração.
* Os empregos e dinamismo do setor imobiliário não estão sendo ameaçados pelo espalhamento das construções mais baixas, que na verdade estimulam a multiplicação de iniciativas e profissionais. É claro que podem limitar pontualmente alguns interesses dos detentores de grandes estoques de terras especulativas.
* O parecer tenta desmerecer o cuidado com as zonas ambientais e rurais de Jundiaí com problemas vividos pela Califórnia. É um equívoco. Seria mais adequado comparar os cuidados adotados no plano com situações semelhantes já consagrados na Itália, na França, em Portugal ou na Alemanha.
* O parecer também afirma que somente a manutenção do desenvolvimento econômico da cidade pode permitir a preservação ambiental evitando a ocupação irregular e desordenada do solo. Ora, essa ocupação ocorreu exatamente na vigência de planos diretores anteriores a esse e a preservação também se encontra ameaçada pelo crescimento imobiliário a qualquer custo nos bairros, nas áreas de mananciais e nas bordas das zonas ambientais como permitido hoje. Para o desenvolvimento o plano introduz outras facilidades para os pequenos negócios comerciais, domésticos, tecnológicos, criativos e turísticos com novas classificações de incomodidade por zonas e vias.
* Em resumo, o parecer parece defasado sobre os debates de janeiro a março que resultaram no projeto em análise. Mas ajuda na defesa do aspecto econômico mais amplo e de longo prazo do plano. .