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Gabriela Morais: “As cidades precisam de reparação histórica e planejamento afetivo”

O espaço urbano brasileiro é o espelho da desigualdade. A afirmação é da advogada e urbanista Gabriela Morais, para quem o planejamento das cidades no Brasil precisa passar por uma mudança radical.

“A cidade não é neutra. Ela é marcada por processos de exclusão, por apagamentos históricos e por uma arquitetura que produz sofrimento.”

Especialista em direito à cidade e integrante de redes que atuam com justiça territorial e políticas urbanas, Gabriela apresentou esse diagnóstico durante uma palestra na Semana Ecos da Floresta, em Jundiaí, em que falou sobre direito urbanístico, justiça social e ecologia.

“O racismo, o classismo e o colonialismo estão escritos no território. Estão nas pontes que não ligam nada, nos muros que separam, na ausência de serviços públicos onde vive o povo preto”, afirmou.

Cidade como tecnologia de exclusão

Segundo Gabriela, o modo como as cidades foram historicamente organizadas no Brasil reforça a ideia de que elas são tecnologias de segregação.

“O planejamento urbano é usado como instrumento de controle e expulsão. A ausência de políticas públicas em territórios periféricos é uma forma de produzir morte — uma necropolítica urbana.”

Ela criticou a lógica técnico-burocrática que domina os processos de urbanização, afirmando que ela mascara decisões essencialmente políticas.

“O urbanismo virou uma linguagem para poucos, uma conversa de planilhas e legislações, quando deveria ser uma prática coletiva de escuta e cuidado.”

Para mudar esse cenário, Gabriela propõe um novo paradigma: o do planejamento afetivo, guiado pela escuta dos territórios e pela valorização dos saberes populares.

“As mulheres negras das periferias são as maiores planejadoras urbanas do país. Elas garantem a sobrevivência dos seus, com redes de cuidado e soluções criativas. O Estado, quando muito, chega depois — e muitas vezes para reprimir.”

Reencantar a cidade

Ao longo da palestra, Gabriela recorreu à ideia de “reencantamento da cidade”, como resposta ao projeto urbano que opera por apagamento. Ela defendeu uma nova estética urbana, voltada à vida e não ao controle.

“Nós precisamos imaginar cidades que acolhem, que contam histórias, que não tratam as pessoas como descartáveis. Precisamos devolver à cidade a capacidade de ser um lugar de sonho e de permanência.”

Gabriela também propôs que o direito à cidade seja entendido como um ato de reparação histórica.

“O território é o lugar onde o racismo se materializa, mas também pode ser o lugar da transformação. Reconhecer quem construiu essa cidade, quem teve sua história apagada, é parte de qualquer projeto sério de justiça urbana.”

Política urbana como escolha de vida

No encerramento, ela lembrou que “a política urbana é, acima de tudo, a política da vida.” E que, se as cidades são construídas com base em escolhas, é preciso mudar quem escolhe e quais interesses estão em jogo.

“Precisamos de um pacto de escuta com os territórios. Planejar cidade é escolher quem vai viver bem. E isso não pode ser feito sem as vozes de quem historicamente foi silenciado.”

A intervenção de Gabriela Morais na Semana Ecos da Floresta foi um chamado à construção de cidades mais justas, sensíveis e plurais — que saibam acolher tanto a memória quanto a imaginação.

“O direito à cidade é o direito de contar sua história no território. E também o direito de inventar o que ainda não existe.”

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