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Materialismo e (in)felicidade. A armadilha do comprar e comprar

O mundo diz: “Tu tens necessidades, satisfaz-as. Tu tens tanto direito quanto os ricos e os poderosos. Não hesites em satisfazer tuas necessidades, certamente, expande tuas necessidades e exige mais.”

Esta é a doutrina mundana de hoje. E eles crêem que isto é liberdade. O resultado para os ricos é o isolamento e suicídio, para os pobres, inveja e assassínio.
Fiódor Dostoiévski, Os Irmãos Karamázov

Existem alguns aspectos sobre os quais diversas escolas de filosofia, religiões e modelos de conduta espiritual convergem. Um desses pontos em que parece haver grande concordância é apontar o engano que há no materialismo, ou seja, em buscar a felicidade através das posses materiais.

Um dos expoentes dessa perspectiva é Francisco de Assis, que levou uma vida de pobreza e mendicância.

No oriente, há o exemplo do príncipe Sidarta, que deixou uma vida de riqueza em seu palácio para juntar-se a ascetas, tornando-se o Buda depois disso.

Ouvimos, então, há milênios, que cultivar uma vida focada em bens materiais não é o caminho para a paz e a felicidade. Mas, se olharmos para a sociedade contemporânea, parece que estamos bastante distantes dessa mensagem.

Embora já seja motivo de atenção da filosofia e das religiões há muito tempo, as consequências do materialismo têm sido também objeto de diversas pesquisas realizadas por psicólogos. Os cientistas parecem concordar que o materialismo é um obstáculo ao bem estar.

Em um artigo escrito para o jornal inglês “The Guardian”, George Monbiot levanta uma série de estudos mostrando que o apego às posses não apenas nos torna pessoas piores, mas também torna nossas vidas piores.

Talvez seja importante, nesse ponto, esclarecer um pouco mais o que se chama de materialismo. O materialismo não se refere a ser rico ou pobre, ou à satisfação das necessidades básicas que envolvem viver dignamente.

O materialismo aqui é um sistema de valores orientado para a aquisição de bens materiais e para a repercussão social disso, o que significa viver em função de possuir, por conta da preocupação que se tem com a própria imagem para os outros.

Nesse aspecto, não importa se você é rico ou pobre: a questão é o quanto você vive em função dos seus bens ou do desejo de possui-los. Você pode ser pobre e materialista, como também rico e não materialista.

Em seu artigo, Monbiot mostra estudos relacionando o materialismo a:

  • piores relacionamentos
  • falta de empatia
  • isolamento
  • ansiedade
  • depressão
  • falta de senso de propósito na vida
  • infelicidade

Já se sabia que o materialismo andava junto com todos esses fatores. Entretanto, estudos mais recentes mostram que pode haver aí uma relação causal: quanto mais materialista você é, menor o seu bem estar. Em vez de fazer bem, o acúmulo de posses pode aumentar suas preocupações, ansiedade e fazer com que você se torne uma pessoa mais egoísta.

Parece que a aquisição de bens materiais não têm cumprido a expectativa que observamos em propagandas: a felicidade prometida não está no shopping center.

Não é difícil entender o processo. O que estamos buscando quando compramos, quando consumimos — às vezes de maneira compulsiva? O que está acontecendo quando colocamos todas as nossas expectativas na nossa próxima aquisição? Estamos querendo preencher aquele vazio essencial que todos nós temos. Queremos ser felizes e nos sentir melhor.

E o materialismo parece ser uma maneira lógica, pois basta ligarmos a TV para recebermos inúmeras mensagens dizendo que se focarmos em ter mais, nos sentiremos melhor. E de fato nos sentimos melhores, por um breve momento. Até que a excitação da compra passe ou a fatura do cartão de crédito chegue. É possível que, depois, você se sinta ainda pior.

As companhias não estão preocupadas com a sua felicidade, por mais que suas propagandas digam o contrário. Elas tem apenas uma função, que é gerar lucro, a qualquer custo. A única felicidade com a qual elas se preocupam é a dos seus acionistas. Ou seja, fomos enganados. Fomos levados a procurar a resposta no lugar errado.

Mas saber onde a resposta não está pode nos dar dicas sobre outras possibilidades para as quais podemos olhar. Se sabemos que o materialismo nos faz mal, talvez isso esteja apontando para aquilo que nos faz bem. E talvez o bem estar esteja justamente no lado oposto.

Diversas pesquisas mostram que há duas condutas associadas a maiores níveis de felicidade: generosidade e gratidão. Reconhecer o valor daquilo que já se tem, ser capaz de se desapegar da busca por bens materiais e, mais ainda, conseguir abrir mão de algo que é seu pelo bem de outra pessoa são atitudes relacionadas com maior bem estar.

Essa é mais uma coisa que não é novidade. Ouvimos isso há milênios, mas ainda temos dificuldade em praticar essas atitudes. Sempre temos, no entanto, a chance de começar a tentar. Até porque, nesse aspecto, você não precisa de pesquisas científicas dizendo o que é melhor ou pior pra a sua vida: você pode experimentar e concluir por conta própria.

E se você já buscou no materialismo uma felicidade que não alcançou, não custa nada tentar o contrário, agindo com compaixão, generosidade e gratidão. Desconfio que você vai ter uma vida melhor. E, mesmo que não dê certo, você vai ter tornado melhor a vida das pessoas à sua volta.

Artigo publicado originalmente no site Vida Boa

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