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O patrimônio histórico acima dos interesses privados. O caso CEA-IAC

Em uma crise multidimensional como estamos vivendo, sempre parece que vai prevalecer o salve-se quem puder.
Mas não é que uma tentativa do velho jeitinho brasileiro acabou derrubando mais um ministro (o sexto desde maio) do presidente Michel Temer, de forma surpreendente.
Pois o ministro Geddel Vieira Lima foi acusado de usar seu cargo para tentar liberar um prédio de 31 andares em área histórica de Salvador de que seria proprietário de um apartamento de R$ 2,5 milhões em um dos andares mais altos.
Para isso, buscou mudar uma decisão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), subordinado ao Ministério da Cultura.
Não é de hoje que os interesses particulares buscam manipular leis para afastarem os interesses públicos do caminho e esse tipo de conflito faz parte da própria vida política.
Uma dessas polêmicas está muito perto dos moradores de Jundiaí, com o debate sobre o futuro da área que abriga há quase cinquenta anos o Centro de Engenharia e Automação (CEA), do Instituto Agronômico de Campinas, o IAC, situado ao lado da Serra do Japi entre o aeroporto e a fábrica da Coca Cola.
Esse conjunto está com estudos de tombamento no Departamento Municipal de Patrimônio Histórico, ligado ao setor de cultura, mas o Governo do Estado anunciou planos (e já fez as leis relacionadas) para vender essa área para a iniciativa privada.
O prefeito atual, Pedro Bigardi, e o prefeito eleito, Luiz Fernando Machado, se pronunciaram contra esse plano estadual mas a questão foge ao controle local.
O tombamento, entretanto, seria um mecanismo eficaz.
Mesmo sem evidências do interesse pessoal do governador Geraldo Alckmin nesse caso, a defesa do tombamento desse área como interesse público ganhou novos contornos com um parecer de Felipe Bueno Crispim mostrando o local como uma área de paisagem ecológica e tecnológica.
Lembrando que essa área forma uma relação direta com a Serra do Japi, a primeira citação é do próprio mestre Aziz Ab´Saber (que foi responsável por assinar o tombamento da serra como um monumento natural no Condephaat, equivalente estadual do Iphan, em 1983).
Para ele, “a paisagem é sempre uma herança de processos fisiológicos e biológicos, e patrimônio coletivo dos povos que historicamente as herdaram como território de atuação de suas comunidades”.
Nesses 110 hectares aconteceram, por exemplo, avanços de testes de máquinas reconhecidos até pela internacional Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). E mais de 700 artigos científicos sobre o avanço de tecnologias agrícolas.
Até mesmo um cinema funcionou ali, além da escola municipal e de eventos de debates, conservação e desenvolvimento. E foi ali também a origem do Circuito das Frutas, uma das iniciativas importantes para o atual estágio de avanços do turismo na região.
Mas voltando para a questão de áreas naturais reconhecidas como parte do patrimônio cultural do Estado de São Paulo desde 1968. Dentro dos 110 hectares estão dez fragmentos de mata atlântica em 26 hectares, incluindo um bosque com a atualmente rara espécie das araucárias.
E também o registro de espécimes da flora do cerrado, de importância reconhecida por resolução estadual de 2009.
Na configuração do município, representa parte de um corredor de biodiversidade entre a Serra do Japi e o setor oeste. São condições diversas de bem paisagístico apontadas em legislações tanto do Condephaat como do Iphan ou da própria Unesco (ao reconhecer o cinturão verde de São Paulo).
Entre os livros de tombo nacionais, inclusive, consta o Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. O conceito está contemplado inclusive no artigo 216 da Constituição Federal. E em 2009 passou a ser reforçado pela Chancela da Paisagem Cultural, do próprio Iphan.
E o município de Jundiaí, envolvido nas décadas de 1970 e 1980 no debate estadual sobre o patrimônio natural com a própria Serra do Japi, também atualizou seus conceitos em 2007 com a lei complementar 443 definindo seu patrimônio cultural como sendo “o conjunto de bens existentes, móveis ou imóveis, de domínio público ou privado, cuja proteção e preservação seja de interesse coletivo quer por sua vinculação histórica, quer por seu valor cultural, arquitetônico, artístico, paisagístico e urbano”, algo que foi considerado inclusive na lei 8.683 resultando do processo do mais recente Plano Diretor.
Por tudo isso, o CEA-IAC é um tema de importância semelhante ao debate nacional sobre o patrimônio que acabou fortalecendo o IPHAN na crise de Salvador.
O tombamento municipal pelo Departamento do Patrimônio Histórico, referendado pelo governo e pelo legislativo, é uma decisão acertada que nossos políticos podem tomar.
Em diversas gestões essa luta já evitou a destruição de referências como a Serra do Japi, o Teatro Polytheama, as Oficinas da Companhia Paulista, o Solar do Barão, a Ponte Torta e outros, além de termos avançado recentemente para o reconhecimento de patrimônios imateriais como a Romaria a Pirapora.
Agora é a vez do CEA tornar-se uma bem paisagístico (considerando a paisagem da tecnologia agrícola e do ecossistema da Serra do Japi).

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