Jornalismo é também escolher de onde e para onde olhar, escolher um ponto e, a partir dele, buscar compreender a realidade.
Como diz o jornalista norte-americano Jeff Jarvis, faça o que você faz melhor e conecte-se ao restante (‘Do what you do best and link to the rest’). Talvez não seja a melhor tradução, mas é assim que compreendo.
Se escolhemos um ponto de vista e, a partir dele, compartilhamos nossa compreensão da realidade, podemos contribuir com a nossa parte para que, juntos, possamos desvendar o que é que está acontecendo.
Por isso escolhi a avenida Paulista como meu ponto de observação das eleições e as apurações do domingo, 2 de outubro. E, a partir dele, compartilho o que vi.
Havia, segundo boa parte dos institutos de pesquisa, uma chance real de uma vitória do candidato de centro-esquerda, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já no primeiro turno. Era uma possibilidade.
O Partidos dos Trabalhadores reservou a avenida icônica de São Paulo como palco de uma manifestação logo depois da divulgação dos resultados. Se houvesse a vitória no primeiro turno, frente ao presidente Jair Messias Bolsonaro ali seria o local da grande festa.
Só que não.
E esse é um risco que se corre ao fazer escolhas. Muitos jornalistas estavam ali. O público era pequeno. Havia os personagens midiáticos de sempre, os gritos de apoio, as vaias. A esperança foi se desfazendo ao longo da apuração, acompanhada pela maioria em frente ao prédio onde funciona a rede de televisão CNN.
E na reflexão que faço nesta segunda-feira, 3 de outubro, vejo que a decisão de estar lá foi correta. Leio o que escrevem muitos colegas de profissão, cada qual olhando do seu próprio ponto de observação. Avalio as análises e os resultados.
Pensando aqui, talvez a onda conservadora não seja tão avassaladora como se pode pensar à primeira vista, uma vez que muitas forças progressistas foram eleitas e há uma perspectiva de um Congresso com algum poder de combate, notadamente na Câmara dos Deputados..
Correta porque pude observar algo fundamental: faltou militância na avenida Paulista no domingo. Faltou gente disposta a mostrar seu apoio ao candidato de centro-esquerda. E isso é algo que só se pode notar ali, na rua, olhando e percebendo.
E, a partir daquele ponto de vista, anoto alguns pensamentos:
- As forças progressistas não avaliaram bem ou não compreenderam ainda a capacidade de organização da extrema-direita, especialmente do ponto de vista da comunicação. Há, do jeito que estou vendo agora, uma distância gigante entre as estratégias digitais inspiradas por Steve Bannon, e a forma com que a esquerda se comunica. O jingle Lula-lá na avenida Paulista soava fora de sintonia com o momento.
- Outro ponto ainda pouco compreendido é a conexão direta entre líderes religiosos e seus fiéis na disseminação de ideias conservadoras, aliadas a teorias da conspiração e outros terraplanismos. E o quando essa conexão cria uma realidade paralela no universo da religiosidade.
- E outra coisa ainda a analisar é o quanto o discurso de desqualificar o jornalismo já corroeu a credibilidade de veículos de informações. digamos, sérios. Ao que parece, boa parte do eleitorado não sabe, ou não quer saber, ou não acredita no que a imprensa publica.
São conjecturas. Algo a avaliar.
Mas o que considero realmente fundamental é: se a frente de esquerda quiser ter a vitória no segundo turno, terá que ser capaz de colocar o bloco na rua. Algo bem mais consistente, poderoso e mobilizador do que se viu na avenida Paulista no domingo.

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