A produção de frutas e outros alimentos é apenas uma parte dos benefícios que a zona rural presta aos moradores da cidade.
Um aspecto que por si só já seria suficiente para que a população tivesse uma atenção especial para com a preservação de sua área rural. Mas existem outros. Igualmente importantes.
Também fazem parte dessa lista a garantia futura de água, a defesa da economia da cidade, a importância do turismo e da cultura locais e recursos únicos do meio ambiente, entre outros.
Como mostrou o seminário Relação Sustentável da Agricultura e da Cidade realizado no dia 19 de fevereiro com diversos especialistas no ramo, na Câmara Municipal, ao preservar sua zona rural, a cidade investe em qualidade de vida para todos.
O pano de fundo para o evento, articulado na Câmara Municipal pelo seu atual presidente Marcelo Gastaldo, está a reta final da discussão do novo Plano Diretor.
Nos quase dois anos de debates a respeito do novo plano, muitos moradores opinaram por uma proteção maior da zona rural que, com o passar dos anos, acabou sendo reduzida em revisões anteriores do plano criado em 1969, tornando “urbanas” mesmo áreas ainda ocupadas por paisagens rurais
Mudanças que, em muitos casos, atendem apenas interesses particulares em detrimento das necessidades gerais das pessoas. Um assunto que agora é debatido pela ótica coletiva da comunidade.
O agricultor Antonio Roberto Losqui por exemplo, usou um exemplo matemático para dizer que se cada um dos 400 mil jundiaienses tivesse um gasto diário de R$ 10 com alimentação seriam R$ 120 milhões mensais (ou mais de R$ 1,3 bilhões anuais).
Um dinheiro que poderia circular na economia local ou ser “exportados” pelas grandes redes nacionais de mercados que buscam esse recurso na cidade.
O renomado pesquisador Afonso Peche Filho, do Instituto Agronômico, lembrou que a beleza cênica (um dos ingredientes do turismo, por exemplo) é outro componente dos benefícios prestados pela zona rural aos moradores da cidade.
Isso sem falar nos aspectos do clima, da diversidade biológica de plantas e animais ou da cultura imaterial das adaptações criadas para o solo da formação chamada de Cristalino.
Ele explicou que há quatro grandes tipos principais de atuação do setor rural na cidade:
1) a dispersão de culturas,
2) a de transição com zonas ambientais (“melhor o município pagar por um porquinho atingido por um felino do que exterminar este”),
3) os cultivos urbanos e a
4) tecnificação elevada, como ocorre com a moderna produção de uvas e frutas.
Mas tudo é uma decisão que precisa do respaldo da comunidade de moradores de toda a cidade.
Um plano que amplie as políticas públicas atuais, como está na proposta, é mais que um “plano diretor” e represente um plano de desenvolvimento territorial.
Os proprietários rurais precisam ser reconhecidos, entre outras coisas, também como produtores de água e de clima.
O diretor da Escola Técnica Benedito Storani, Eduardo Alvarez, mostrou que há alguns anos os cursos ligados ao setor agropecuário eram considerados opções secundárias mas hoje há muitos filhos de proprietários rurais de toda a região aproveitando as noções mais modernas de conhecimento e gestão.
E o engenheiro florestal Alexandre Spadoni Pereira acrescentou que mesmo a recuperação de áreas degradadas (que foram desmatadas ou abandonadas) possui muitos avanços técnicos e até de benefícios humanos e psicológicos.
O arquiteto Araken Martinho, um dos “pais” do plano diretor pioneiro de 1969, observou que as cidades não podem mais se expandir descontroladamente
E Jundiaí se diferencia de outras cidades que perderam sua identidade coletiva exatamente por ter mantido suas zonas rurais e ambientais ao lado de seu crescimento industrial e de serviços. Ele diz que não se pode perder esse patrimônio.
A questão é se a maioria esmagadora dos jundiaienses (95%) que moram na zona urbana entende que essa questão diz respeito a todos e não apenas aos moradores das zonas rurais e ambientais.
Em dois anos, mais de 10 mil participações nos eventos de debate do Plano Diretor (e mais os estudos feitos pelos técnicos da Prefeitura) mostraram essa preocupação.
As pesquisas conhecidas desse tema mostram que em muitas outras cidades alguns investidores imobiliários compravam terras a preços de sítios e depois “influenciavam” os políticos para mudarem o zoneamento para urbano, multiplicando os lucros com a autorização para loteamentos ou condomínios.
Mas o planejamento territorial da cidade (ou plano diretor), assim como se conseguiu impedir a destruição de boa parte da Serra do Japi a partir das manifestações dos anos 70, também pode orientar a conservação de bairros rurais, inclusive com políticas inteligentes de incentivo ao lado das restrições ao uso inadequado.
A questão é da cidade.
O presidente da Câmara, Marcelo Gastaldo, lembrou que quase todos os jundiaienses (inclusive ele) possuem ancestralidade agrícola e destacou a presença de diversos vereadores ou assessores no evento.
Ao mesmo tempo outros vereadores mostram pressões contrárias como Rogério Ricardo, que postou nas redes sociais um encontro com um grupo de proprietários de bairros rurais, incluindo um ex-secretário de governos anteriores.
Embora não concluído na etapa do Executivo, que termina com uma votação final de propostas ainda em conflito no Congresso da Cidade no dia 12 de março, o tema esquenta os bastidores da Câmara para onde o projeto será enviado.
O debate é aberto e, inclusive, está acima deste ou daquele partido político.
É o futuro de Jundiaí que está em jogo e merece a manifestação de seus moradores com preocupações voltadas para a comunidade.
O evento da Câmara foi acompanhado no plenário por dois secretários do prefeito Pedro Bigardi, os de Planejamento e Meio Ambiente (a arquiteta e urbanista Daniela da Camara Sutti) e de Agricultura, Abastecimento e Turismo (o produtor rural Marcos Brunholi).
Além da orientação sobre o crescimento de prédios, moradias e atividades na área urbana, o futuro da zona rural e ambiental de Jundiaí será definido nas próximas semanas.
O evento na Câmara colocou luz sobre esse tema que para muitos parece distante mas fala da cidade que se quer para a nova geração não apenas de filhos ou sobrinhos, mas de todos os moradores desta comunidade de 360 anos de histórias e seus laços com gerações anteriores.